sexta-feira, 13 de maio de 2022


13 DE MAIO DE 2022
CAPA

A arte de tornar visível

Xadalu reflete sobre a situação dos indígenas na individual "Antes que se Apague: Territórios Flutuantes" na Fundação Iberê

Quando começou a espalhar a figura de um indiozinho pelas ruas de Porto Alegre, no início dos anos 2000, Xadalu Tupã Jekupé queria mandar um recado: "Por mais que vocês finjam não nos ver, nós estamos aqui!". Depois, quando placas de sinalização com a frase "Atenção: Área Indígena" também começaram a aparecer nos muros, a mensagem ficou ainda mais direta: "Por mais que vocês tentem apagar a história, Porto Alegre - e o país inteiro - é território indígena".

E lá se foram quase 20 anos desde que o artista, cujo nome civil é Dione Martins, passou a virar madrugadas com um balde de cola em uma mão e muitos recados a serem fixados nas paredes na outra. Desde então, levou o trabalho iniciado com o status de arte urbana para galerias de diferentes Estados e desembarca amanhã na Fundação Iberê Camargo, onde estreia a mostra individual Antes que se Apague: Territórios Flutuantes.

A curadoria é assinada por Cauê Alves, curador-chefe do MAM São Paulo, que no catálogo da exposição define o trabalho feito ao longo dos anos por Xadalu como uma "reconquista". "Não como a conquista colonial, que explora e destrói a terra (...), mas de modo singelo, chamando atenção para quem sempre esteve ali, sentado, resistindo, mas que foi praticamente apagado", escreve.

E como o título já entrega, o que não mudou nestas duas décadas foi o objetivo das obras assinadas pelo artista - cada vez mais complexas e tecnicamente diversificadas. Xadalu almeja eternizar culturas e tradições indígenas que vêm sendo historicamente apagadas.

- Era algo muito verdadeiro quando comecei e continua sendo agora - avalia o artista.

Sua verdade artística é expressa pelas 19 obras que compõem a mostra, das quais 14 foram concebidas especialmente para a ocasião, frutos de um trabalho que o artista considera coletivo. Isso porque, apesar de ser ele o executor, tudo o que transforma em arte vem dos aprendizados e trocas que tem com a avó, remanescente do antigo território indígena Ararenguá, em Alegrete, e com sábios de diferentes aldeias.

Atualidade

Foi a partir de causos fantásticos ouvidos em rodas à beira da fogueira que criou uma série de pinturas que reproduzem lendas Guarani - versões para essas narrativas ancestrais contadas de geração em geração entre diferentes etnias, feitas por ele em tempo, antes que se apaguem. Também de saberes compartilhados veio a instalação Apyká, obra que se destaca na mostra, na qual Xadalu mistura diversas técnicas para representar a criação do mundo conforme a tradição dos povos originários.

- Essas lendas e visões cosmológicas fazem parte da literatura oral indígena, de maneira que poucas são transcritas. Acho importante transcrevê-las, mas através da arte. Porque transcrever através da palavra vai contra a própria ideia da oralidade - explica.

Tal transcrição material só é necessária, aponta o artista, porque pouca coisa mudou desde que os primeiros indígenas foram exterminados por colonizadores portugueses em solo brasileiro, à época do descobrimento. Quinhentos anos depois, indígenas continuam a ser exterminados aqui.

Como exemplo, ele cita as comunidades Yanomami que vêm sendo dizimadas em Roraima, vítimas de ataques ligados ao avanço do garimpo ilegal. É uma atualidade triste, inconveniente, que Xadalu não desejava ver estampada tão claramente em suas obras.

- O governo faz vista grossa, os garimpeiros avançam, e não se faz nada para conter. Se o que está acontecendo com os Yanomami acontecesse em um bairro nobre de qualquer cidade do país, não duraria um dia - compara.

Apesar do tom pessimista trazido pelo "antes que se apague" que intitula a mostra, Xadalu acredita que uma nova realidade ainda pode ser construída. Para ele, qualquer mudança no que diz respeito à questão indígena no Brasil passa pela educação. E educar é também o que deseja fazer com sua arte.

O artista defende a aplicação correta da Lei 11.645, que estabelece a obrigatoriedade do estudo da história indígena e afro-brasileira nos ensinos Fundamental e Médio, e questiona o modo como indígenas vêm sendo representados ao longo dos anos:

- Antes que se apague, há tempo para a gente rever os nossos paradigmas da sociedade.

CAMILA BENGO

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