terça-feira, 3 de maio de 2022


02 DE MAIO DE 2022
CAPA

Kleiton Ramil se embrenha no surreal

Segundo romance do músico e escritor, "Altos de La Serena" traz uma narrativa que se situa entre o real e o imaginário

A música e a literatura sempre andaram juntas na vida de Kleiton Ramil. Com 40 anos de uma trajetória musical incontestável ao lado do irmão Kledir, o artista gaúcho também tem no currículo 13 livros publicados. O último deles, Altos de La Serena (Bestiário), foi lançado na quinta-feira.

Trata-se do segundo romance do irmão Ramil. O primeiro, Kyoto, foi lançado em 2016, numa espécie de aventura do escritor pelo gênero literário - anteriormente, havia lançado livros infantis e oníricos. Agora, mais confiante do terreno onde pisa, Kleiton não só seguiu vestindo a camisa de romancista como decidiu desafiar- se ainda mais e mergulhar no campo do fantástico.

A inspiração veio a partir do contato com a obra do japonês Haruki Murakami, célebre por romances surrealistas que misturam realidade e fantasia com toques de naturalidade. Era mais ou menos isso que o gaúcho queria fazer neste novo livro: brincar com o real e o imaginário de forma elegante, como ele próprio define. E foi o que fez.

- Não gosto da ideia de escrever uma ficção totalmente desprendida da realidade. Mas poder retratar situações do cotidiano e, no meio disso, trazer algo de surreal eu acho muito interessante. A nossa vida tem muitas coisas mágicas que a gente não percebe. Eu queria trazer isso para a minha literatura - explica Kleiton.

Faz isso por meio de uma história que, de início, parece simples, mas ganha complexidade a cada página avançada. O livro acompanha o protagonista Beto, um gaúcho de Porto Alegre, estudante de Literatura, que coloca a mochila nas costas e vai passar férias em uma reserva ecológica no Uruguai - cuja paisagem é descrita em detalhes pelo autor.

O personagem espera somente passar dias tranquilos rodeado pela natureza das terras hermanas, mas, pelas matas bifurcadas dali, tem uma série de encontros improváveis - desde John Lennon e Claude Debussy até seres fantásticos - que acabam por fazê-lo duvidar do que é real e do que é devaneio seu, ao mesmo tempo em que absorve um pouco de tudo aquilo que cruza pelo caminho.

Beto não sabe para onde as trilhas o levarão, mas continua andando, sempre sedento pelo que vai encontrar a cada novo rastro seguido. Ao fim, em um desfecho kafkiano que revela o ápice do surrealismo da obra, descobre que nunca foi aquilo que a vida inteira achou ser e enfim encontra seu lugar no mundo. É um arco parecido com o modo como o livro foi escrito por Kleiton.

- Geralmente eu tenho uma ideia de como pretendo começar e encerrar a história. No caso desse livro, foi muito mais livre. Fui escrevendo e ele foi tomando dimensões que nem imaginava. Foi um processo muito rico.

Comprometimento

Aliás, Kleiton vê diferenças importantes entre os processos de fazer música e fazer literatura. Para ele, as duas são formas de contar histórias, mas, enquanto a primeira se dá de forma mais intuitiva (afinal, são 40 anos fazendo música, permeados por muito estudo na área), a segunda costuma lhe ser desafiadora - razão pela qual tem gostado tanto de explorar sua veia de escritor.

Há semelhanças, ainda assim. O artista percebe que, seja através de palavras cantadas ou escritas, as histórias que conta sempre têm ligação com o Rio Grande do Sul. Tanto que o personagem central de seu primeiro romance também é um gaúcho.

- Toda a minha obra tem esse comprometimento com a nossa cultura, porque isso é muito forte na minha formação. Mas, para ser sincero, não tinha me dado conta de que os protagonistas dos meus dois romances são gaúchos (risos). Talvez sejam essas as referências mais profundas que tenho para criar um personagem - reflete.

Nos próximos meses, as duas facetas de Kleiton Ramil devem continuar caminhando de mãos dadas. Na música, a parceria com o irmão Kledir segue a todo vapor, com turnê pelo Brasil, músicas inéditas a serem lançadas ao longo do ano e parcerias com diferentes artistas. Há também o espetáculo Casa Ramil, que reúne no palco uma das famílias artísticas mais célebres do Rio Grande do Sul, que deve ganhar nova temporada neste ano.

Já na literatura, pelo menos três projetos de novos livros já estão encaminhados. Um deles está pronto e deve ser lançado em breve, em português e francês; o outro, uma espécie de autoficção, fala das andanças do artista pelo mundo com toques de sonho e imaginação; e o terceiro, que ele define como seu "menino dos olhos", é um livro musicado voltado para a iniciação de crianças na música, que deve ser lançado em seis idiomas.

- Sou um criador compulsivo - confessa, divertindo-se - CAMILA BENGO

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