segunda-feira, 21 de março de 2022


21 DE MARÇO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

ENCRUZILHADA GLOBAL

A pandemia e o conflito bélico no Leste Europeu, episódios que marcarão o século, têm levado pensadores de todas as correntes e áreas a um esforço para tentar compreender implicações e traçar as consequências para a convivência global nos próximos anos e décadas. Logo após a irrupção da crise sanitária, chegou-se a imaginar que o mundo assistiria a uma era onde valores como a empatia seriam mais praticados. O que o mundo viu, porém, foi mais radicalização ruinosa, divisão da sociedade e xenofobia.

Outra consequência, causa da paralisação de atividades em várias partes do planeta nos primeiros meses da covid-19, foi a interrupção do fluxo de mercadorias, quebrando cadeias de fornecimento de insumos. Foi um impacto que atingiu a atividade econômica e deflagrou inflação. Aqui e ali surgiram tentativas de aumentar a produção local de bens e matérias-primas para supostamente diminuir dependências externas. Em alguns casos, uma preocupação de caráter estratégico, mas também muitas vezes de viés claramente protecionista.

Não apenas a covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia suscitam essas inquietações e reflexões sobre possíveis cenários desenhados a partir de acontecimentos recentes no mundo. Em diversos países, inclusive nos berços do livre mercado, do liberalismo em seu sentido mais amplo e da democracia, surgiram surtos de isolacionismo, de autoritarismo e de intolerância. O Brexit, que afastou o Reino Unido da União Europeia, ilustra o sentimento que surgiu em algumas nações de que problemas internos têm causas fora de suas fronteiras. Se fortaleceram, ao mesmo tempo, líderes com clara inclinação iliberal, que foram corroendo aos poucos as instituições democráticas e avançando para a autocratização.

Diante de tantos dilemas, surge a pergunta sobre se a globalização estaria em xeque. O livre-comércio entre países, o intercâmbio cultural e o fluxo de pessoas de diferentes nacionalidades entrará em uma nova fase de construção de maiores barreiras? Espera-se que não. No aspecto econômico, a equação é simples. Nem todos são eficientes e competitivos para produzir tudo. Impor produção local significará a obrigação de adquirir ou consumir bens de menor qualidade e comparativamente mais caros. A abertura do comércio, um aspecto em que o Brasil deixa a desejar, ressalte-se, proporciona o contrário. Gera uma competição que força a busca por maior produtividade, com ganhos para os consumidores. A compra de um produto, de um serviço ou de uma tecnologia deve ser orientada pelo custo-benefício, e não por uma imposição.

Será mais lamentável ainda se, a partir da agressão à Ucrânia, o mundo iniciar uma corrida armamentista. É algo que há pouco poderia ser considerado pouco provável, mas é possível que esteja prestes a acontecer. Valores democráticos e avanços civilizatórios estão ameaçados. Engana-se quem vê os últimos movimentos como uma disputa ao velho estilo esquerda versus direita da Guerra Fria. O que está diante da humanidade é uma queda de braço entre autoritarismo e obscurantismo contra princípios liberais não apenas nos aspectos econômicos, mas humanos e iluministas. 

Não é possível ser ingênuo e imaginar o fim da busca pela proteção dos interesses próprios ou das divergências características do embate geopolítico. Mas, nesta encruzilhada global, que as únicas armas a ser usadas sejam o argumento e o diálogo tolerante, para o mundo ter esperanças renovadas de que a colaboração global se revigore e vire sinônimo de paz, justiça, menos desigualdade e vigoroso progresso econômico.

OPINIÃO DA RBS

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