terça-feira, 15 de março de 2022


15 DE MARÇO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

APLICATIVO SOB A LEI

Reportagem de Giovani Grizotti veiculada no domingo no programa Fantástico, da Rede Globo, dá a medida do quanto é danosa a atual política do aplicativo russo Telegram de simplesmente lavar as mãos em relação à enxurrada de práticas criminosas perpetradas por uma pequena mas perigosa parte de seus usuários. Além de não coibir os delitos que grassam em grupos e canais, ignora as autoridades judiciais e policiais brasileiras, que buscam a sua colaboração para combater as transgressões e identificar os responsáveis.

O desejável, até para não prejudicar as milhões de pessoas que utilizam o app no Brasil para fins prosaicos e lícitos, seria que a empresa compreendesse a gravidade das ilegalidades que está tolerando e agisse para evitá-las. Ao mesmo tempo, deveria constituir representação formal no país e seguir a legislação brasileira, conforme todos os demais aplicativos, plataformas e redes sociais. Mantendo a postura irresponsável e arrogante, no entanto, arrisca-se a sofrer sanções drásticas.

Nos grupos e canais monitorados ao longo de um mês, a equipe da RBS TV que produziu a reportagem flagrou tráfico de drogas, pedofilia, oferta de dinheiro falso e armas sem registro, apologia ao nazismo, racismo, falsificação de documentos e uma série de outros estelionatos. Protegidos pelo anonimato garantido pela plataforma com sede nos Emirados Árabes Unidos, os criminosos parecem confiantes de que não serão identificados, alcançados e punidos. 

O aplicativo acabou se transformando no refúgio de banidos de outras redes sociais e apps em que violaram termos de uso. Neste momento, o Telegram surge como uma nova versão da dark web, formada por camadas profundas da internet acessadas apenas por pessoas de maior conhecimento de informática, onde vicejam atividades virtuais ilegais e para fins criminosos. A diferença é que, agora, tudo pode ser visto na superfície, ao alcance de qualquer cidadão com um telefone celular.

Outro grave problema observado nos últimos meses tem sido a disseminação de notícias falsas. A proliferação de desinformação merece especial atenção devido às eleições deste ano no Brasil. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já firmou convênios e acordos com as demais plataformas para conter a difusão de fake news. Menos com o Telegram, que sequer responde às tentativas de contato e costuma ignorar decisões judiciais, como se estivesse acima da lei. Há no Ministério Público Federal (MPF) e na própria Corte o entendimento de que, mantido o comportamento, o aplicativo poderá ser banido do país durante o processo eleitoral. 

Seria, sem dúvida, uma medida extrema, mas liberdade de expressão não deve ser confundida com licença para espargir mentiras que possam ameaçar a democracia brasileira. Tampouco é aceitável dar guarida a qualquer outra atividade criminosa. A Alemanha, por exemplo, pressionou e fez o app bloquear canais que incitavam discurso de ódio. Não há certeza ainda de como o chamado PL das Fake News, em tramitação no Congresso, poderia afetar a atuação da empresa russa.

Estima-se que o Telegram esteja instalado hoje em cerca de 60% dos smartphones do Brasil. Bloqueá-lo, portanto, está longe do ideal. Mas talvez a péssima conduta da empresa até aqui não deixe outra alternativa, em nome da estabilidade institucional do país.

OPINIÃO DA RBS

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