Mulheres que conquistaram um lugar ao sol e nas alturas
Ana Luiza Oselame sabe dizer o momento exato em que decidiu ser pilota de avião. Tinha ido levar parentes ao aeroporto Salgado Filho quando observou um grupo de tripulantes da Gol desembarcando. Os olhos fixaram no quepe e nas quatro faixas acima do ombro no uniforme de um deles, detalhe que identifica o comandante.
- Falei pro meu avô: ó, eu quero isso. Ele só deu risada - lembra a porto-alegrense.
A uma semana da avaliação para se tornar pilota privada, a aluna de 22 anos foi uma das homenageadas do Aeroclube do Rio Grande do Sul (Args) em um almoço especial pelo Dia da Mulher, celebrado ontem. Bem como suas colegas na escola de aeronáutica do Args, sua instrutora, Vitória Visentin Gasolla; a aviadora do 5º Esquadrão de Transporte Aéreo da Força Aérea Brasileira, Monique Costa; a pilota da divisão de Operações Aéreas da Polícia Civil, Camila Meggiolaro dos Santos; a primeira mulher a ser aluna no curso de piloto de aviação da Brigada Militar, capitã Mariana Tigik Hoffmann; e outras mulheres que integram a história da aviação gaúcha.
O evento foi chamado de 1° Encontro das Amélias do Args, em referência a Amelia Earhart, americana que foi a primeira mulher a voar sozinha sobre o Oceano Atlântico. Foi realizado na sede do aeroclube, na zona sul de Porto Alegre, cidade de onde saíram precursoras da aviação no país.
Muitas vinham de todos os cantos do Brasil treinar na Varig na década de 1990, uma das primeiras companhias aéreas a abrir as portas para pilotas - antigamente, o termo não existia em dicionários por ser uma função tipicamente masculina. Sem falar que a primeira mulher comandante do país é daqui: a porto-alegrense Carla Roemmler ingressou na Vasp em 1988 e se tornou a pioneira da aviação comercial em 1996, ao pilotar um Boeing 737-200. Ela é hoje comandante da Azul.
Professora de História da Aviação da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS), Cláudia Fay conta que até o final da década de 1980 as empresas se negavam a contratar mulheres para o cargo.
- Acontecia muito de elas passarem na parte técnica, passavam em todas as provas, mas as reprovavam no psicotécnico - conta.
Matriculadas
Ainda é um ambiente dominado por homens, mas elas vêm ocupando o seu lugar ao sol - e ao céu. Um indício são as matrículas no curso de Ciências Aeronáuticas na PUCRS. Neste semestre, houve o maior número de inscritas na história: elas são oito entre 40 novos estudantes.
Cláudia comemora o índice. Relata que era comum ingressarem quatro, cinco meninas. No começo, muito menos: a primeira turma teve duas mulheres entre 60 homens. Ela vê o acesso mais fácil à informação por meio da internet e das redes sociais como um dos motivos para esse crescimento.
- A vontade, eu acho que sempre teve, mas não tinha emprego para mulheres, não tinha conhecimento. Como se faz para ser pilota? Não era muito difundido. A mulher não aspirava porque não via a possibilidade - argumenta.
Liberdade
Vitória já encontrou um cenário completamente diferente. Com 12 anos, se interessou pela profissão. Começou a voar aos 16 anos, com 18 se tornou pilota e não perdeu tempo para se tornar instrutora. Diz que se sentiu acolhida por onde passou, no curso de Ciências Aeronáuticas, nos aeroclubes, seja entre seus alunos ou chefes. Sente-se à vontade no meio - e ainda mais, no ar:
- O avião é como uma extensão tua. Tu se sentes um pouquinho mais livre.
Segundo o presidente do Args, Hermenegildo Fração Junior, a ideia é tornar o evento anual para valorizar pilotas e funcionárias da área e incentivar mais mulheres a se dedicar à aviação.
JÉSSICA REBECA WEBER
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