19 DE MARÇO DE 2022
LEANDRO KARNAL
Já viajei muito na minha vida. Confesso, para horror dos entusiastas, que passo por uma fase um pouco refratária a aeroportos, aviões, malas, hotéis e trâmites de deslocamentos. Em minha defesa: parte da minha vida profissional foi feita viajando: tanto para palestras como conduzindo grupos ao exterior. Tive experiências maravilhosas conhecendo lugares ou apresentando cidades. Porém, como a diferença entre remédio e veneno (ah, o phármakon!) é a dose, cresceu meu apego a minha casa.
Não conheço tudo e há mais coisas que eu deveria ver do que já contemplei. Apesar de ter ido ao Museu do Louvre, por exemplo, dezenas e dezenas de vezes, o acervo daquela instituição permite recortes novos e incursões maravilhosas todas as vezes. Sim, há obras desconhecidas e cidade ignotas. Exemplo? Contratei uma competente guia para minha visita a Ávila, na Espanha, em janeiro deste ano. Lúcia foi além do que eu esperava e me mostrou coisas que eu nunca tinha imaginado. Era historiadora e nativa da cidade. Foi muito bom! Aí chegamos ao ponto. Foi perfeito, todavia, não tão fascinante como na primeira, segunda, terceira ou quarta vez que estive em Ávila.
Meu saudoso amigo Marcelo Cunha acompanhou-me em inúmeras viagens pela Ásia. Diante das maravilhas da Muralha da China, do Palácio Imperial em Tóquio, das formações rochosas de Halong Bay no Vietnã ou das ruínas de Angkor Wat no Camboja, ele contemplava com alegria, ouvia minha explicação com silêncio atento e, após algum tempo, soltava o bordão: "Tá visto!". Era a deixa para seguir adiante.
Não me julguem, preclara leitora e sábio leitor. Ser blasé irrita, eu sei, mas não é um defeito de caráter. É algo estrutural da personalidade de algumas pessoas. Talvez seja pelo fato de eu ser aquariano com ascendente em Aquário: um ser do ar...
Eu sei que a repetição traz segurança para muita gente. Uma família me revelou que viajavam ao mesmo hotel no litoral catarinense todos os anos há duas décadas e reservavam os mesmos quartos. Eram felizes naquele espaço e esperavam com muita ansiedade pelos dias das férias. À medida que o patriarca da prole me explicava, eu supunha cenas do filme O Iluminado: eu, ensandecido, pelos corredores do hotel.
Sim, existe quem repita com alegria, quem necessite de um novo lugar sempre e outros que cansaram do conceito de viagem em si. Precisamos entender a variação da espécie humana. Penso nisso quando vejo uma mesa ao lado da minha pedir borda da pizza recheada com catupiry. Reflito: não é ilegal, não parece ferir a ética, apenas... é o jeito deles.
Quando eu tinha 24 anos, fiz 37 cidades europeias em uma única viagem. As passagens eram caras, eu era bem mais pobre e queria "aproveitar". De trem, em hotéis que nem sempre tinham banheiro no quarto e outros nos quais eu dormi completamente vestido como medida de higiene, fui indo a lugares fascinantes, quase todos pela primeira vez. Caminhei anos-luz. Tinha muita saúde, vontade inquebrantável de ver museus e igrejas, disposição de aventura e muita coragem. Na madrugada em Cracóvia ou Bratislava, vagando por Upsala ou Carcassone, amava me perder em ruelas e enfrentar o desafio da comunicação.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, dizia um cara de Lisboa. Na casa dos 30, passei a viajar apenas por um país. Fazia roteiros temáticos: romantismo alemão, barroco francês, modernismo norte-americano.
Chegado aos 40, ficava em um lugar como Roma no mesmo hotel e fazia pequenas incursões para Assis ou Montecassino. No fim do dia, voltava ao meu hotel da Piazza del Popolo. O tempo flui e, depois dos 50, passei a amar turismo em um único lugar. Já me disseram que se trata do chamado "pós-luxo".
O que terei pela frente? São ciclos? Você, minha viajada leitora e meu rodado leitor, passaram pelas mesmas etapas? Foram se imobilizando e abandonando peregrinações a esmo? Ficamos mais sábios, mais entediados, mais equilibrados ou apenas mais chatos?
No ano que vem, terei 60 anos. Penso em um novo modelo. Alugar uma casa em algum lugar interessante e viver lá por um mês. Ir ao mercado, cozinhar, andar a pé ou de ônibus/trem, sem vontade de conquistar Troia, lutar com cíclopes ou feiticeiras. Queria imersão em cotidianos diferentes pelo Brasil e pelo mundo. Muita leitura, muito chá e algum vinho. Também imagino poucas, pouquíssimas fotos. Escolher uma música marcante como a Sinfonia do Novo Mundo (Antonín Dvorák) ou as Suítes de Cello, de Bach. Observar o pôr do sol e erguer um solene e entusiasmado brinde ao momento, à beleza de tudo e à felicidade tranquila. Acima de tudo, saudar as coisas que não preciso comprar, os lugares que não necessito ver ou rever e me entregar à plenitude fáustica de um momento perfeito.
Em resumo, depois de anos viajando para ter ou ver, quero fazer turismo de ser. Deve ser a maturidade, ou o cansaço, ou as duas coisas que costumam vir combinadas. E, finalmente, verei o mundo que meu furor juvenil não permitia contemplar. Assim, terei recuperado minha alma da obrigação de absorver o universo. Enfim, talvez pela primeira vez, uma viagem de esperança e de paz.
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