29 DE MARÇO DE 2022
NÍLSON SOUZA
Dialogar ou cancelar, eis a questão
Já não sei mais se a frase é de Confúcio ou de Bernard Shaw, mas acredito que qualquer um deles - gênios que foram - poderia ser o pai da criança. Se você tem uma maçã e eu tenho outra, e nós trocamos as maçãs, cada um fica com uma. Mas se você tem uma ideia e eu tenho outra, e nós as trocamos, então cada um terá duas ideias.
Adoro essa mensagem e me esforço para colocá-la em prática com amigos e amigas que eventualmente encontro fora da clausura tecnológica. Quando o celular está presente fica mais difícil, pois o brinquedinho, como bem sabem seus usuários, aproxima quem está longe e afasta quem está próximo. Além disso, o ambiente das redes sociais está se transformando numa arena repleta de gladiadores e leões furiosos à espera de vítimas incautas.
Claro, sempre é possível dar um drible no Grande Irmão e tentar uma conversa à moda antiga, totalmente analógica, com acionamento de cordas vocais e tímpanos. Costumo fazer isso nas minhas caminhadas matinais, na companhia de um velho parceiro de exercício e ofício. Trocamos ideias como as crianças que fomos trocavam gibis na porta do cinema - a maioria histórias já lidas e conhecidas, mas sempre divertidas. Não é raro, porém, que voltemos aos nossos afazeres diários com alguma nova reflexão.
Nem sempre concordamos um com o outro. Mas é exatamente quando temos visões conflitantes sobre algum tema que tiramos maior proveito do debate. Tudo porque nossa amizade, longeva e sólida, nos torna impermeáveis à cultura do cancelamento - hoje uma das maiores ameaças à liberdade de expressão. Sim, pois o verbo cancelar já não se resume a tornar algo sem efeito ou a excluir das nossas relações aqueles que pensam de forma diferente da nossa. No tribunal sumário do mundo digital, qualquer divergência de opinião tende a derivar para banimentos, boicotes, intimidações e, não raro, linchamentos públicos.
Nesse contexto, o ódio floresce, a autocensura cresce e o debate público empobrece. Mas sempre pode haver espaço para o diálogo, para o debate construtivo e para a convivência de contrários. Precisamos conversar sobre isso, antes que o fungo da intolerância contamine irremediavelmente as nossas maçãs.
É exatamente quando temos visões conflitantes sobre algum tema que tiramos maior proveito do debate
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