19 DE MARÇO DE 2022
BRUNA LOMBARDI
A ORQUÍDEA SEXUADA
Tirei uma foto de close de uma orquídea e quando fui postar me censurei. Levei um susto comigo mesma porque detesto todo e qualquer tipo de censura. E me perguntei: que grau de irracionalidade poderia censurar uma flor? Pode um inocente figo ser lascivo? Pode uma simples maçã induzir ao pecado?
A representação do sexo transborda em toda a natureza. A beleza dos desenhos é sugestiva, mas depende, é claro, da intenção do nosso olhar. Como aliás, tudo.
Atrás de todo julgamento existe um conceito de valores morais. E é justamente com isso que a gente precisa tomar cuidado. Nem sei como me deixei influenciar por uma censura que nem é minha e nem vou deixar que isso me acompanhe.
Na Grécia Antiga, todo desejo, mesmo ilícito, era atribuído diretamente aos deuses. Afrodite, deusa do amor, da beleza e da sexualidade, mãe de Eros, ele mesmo, deus do erotismo e da paixão - esses dois eram responsáveis por todos os nossos desvarios.
Se somos frutos do sexo e existimos graças a ele, como pode a natureza constranger? Como pode esse design divino tão belo ser visto com um olhar de tamanha distorção e má intenção?
Oscar Wilde dizia: "Os que só veem intenções vis nas coisas belas são uns depravados, destituídos de encanto".
A Origem do Mundo, um quadro de Gustave Courbet que em 1866 retratou o nu feminino frontal, foi banido e precisou ser escondido para que não o destruíssem. E só veio a ser exposto ao mundo mais de um século depois, em 1995, no museu D?Orsay, em Paris, onde atualmente está.
Por que algo tão natural pôde causar tamanha reação? Por que sentimos vergonha da origem da vida, do desenho do sexo de uma mulher, lugar de onde viemos, que nos trouxe para a luz? Como podemos nos desconectar assim da nossa própria natureza?
Na verdade, toda a censura, toda repressão acaba gerando uma reação maior e contrária, uma vulgarização generalizada. Nem Afrodite nem Eros saberiam o que fazer diante desse consumismo fast-food do sexo.
Não que isso seja uma coisa nova, a história é cíclica. Segundo a Bíblia, cidades inteiras, como Sodoma e Gomorra, foram destruídas pelo excesso de sexo, ganância e vício.
Valores distorcidos nos atiram desgarrados no vazio das almas, perdidos de nós mesmos. Depois do excesso e do desgaste, nenhum desejo se salva. Afinal, entre o cansaço insaciável dos sites pornôs e a imensa quantidade de nudes enviados nas mensagens, para onde vamos?
O bom é que a natureza e a arte se renovam constantemente, apesar de todos os ataques que recebem. O tesão também se renova, e é preciso renovar o olhar capaz de condenar a pintura de um corpo, a sexualidade de uma orquídea.
O erotismo é feito de delicadezas. Existe sim sensualidade no desenho divino de uma orquídea, na curva de um quadril, num ombro, na mordida de uma maçã. Um simples olhar dá tesão, um jeito de corpo, um senso de humor, um sorriso. Tesão nasce no pensamento, quem percebe isso me compreende.
Numa sociedade que embrutece no consumismo voraz do sexo, busco o equilíbrio entre a sutileza e a chama acesa.
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