sábado, 12 de março de 2022


12 DE MARÇO DE 2022
J.J. CAMARGO

A GUERRA DOS OUTROS

"A guerra é sempre a escolha dos que não precisam lutar." (Bono Vox e Pavarotti em "Ave Maria")

Como as pessoas do bem são generosas e se preocupam em serem respeitadas por afeto e não por temor, é fácil identificar a personalidade desses líderes desbravadores que se dispõem a expandir os limites de seus países, não importando o quanto já sejam enormes. Pela ausência de empatia com os subjugados, são inevitavelmente rotulados como psicopatas.

E muitos deles, ao longo da história, prosperaram na esteira de sentimentos coletivos de cegueira, indignação, cinismo, pobreza e iniquidade. Sem esses elementos, fica inexplicável que um país civilizado como a Alemanha, por exemplo, tenha parido e endeusado um doido como Hitler, que de um jeito ensandecido foi um dos maiores líderes da história ocidental.

Como a história, monotonamente, tende a se repetir, muda o século e, quase por geração espontânea, surge uma versão caricata, enriquecida por armamento nuclear invejável e um implacável olhar de indiferença com o sofrimento alheio, além da capacidade assustadora de anunciar, sem elevar a voz, que quem se opuser às suas pretensões sofrerá consequências inéditas na história da humanidade. Com a lembrança vívida dos horrores que a humanidade já viu, essa declaração devia assustar mais do que tudo.

A ferocidade com que ele ocupa um país menor, sem mínimas condições bélicas de enfrentamento, ignorando a agonia sufocante gerada pelo sentimento suicida de patriotismo de seus habitantes, tem claramente a intenção de demonstrar que fortão ele é. E mais do que isso, antecipar aos circundantes sobre o que os espera se houver reação, de qualquer tipo, que não seja a prosaica gritaria.

Como o anúncio de ameaça de guerra nuclear não convence mais ninguém, porque com os armamentos disponíveis dos dois lados isso seria o fim da vida na Terra, ninguém se intimida com esta balela requentada, e começam as articulações de acordos que sejam equilibrados para permitir uma moderada euforia de quem ganhou, mas sem uma humilhação acachapante de quem perdeu. Com a certeza de que o dano moral pela humilhação desse arreglo ficará arquivado para uma revanche no futuro, por causa da tal necessidade da história se repetir.

Na comparação com episódios bélicos do século passado, as guerras atuais são mais fugazes não só porque o planeta perdeu a paciência com ameaças vazias, mas muito porque os instrumentos de pressão do mundo exterior mudaram radicalmente: em vez de sanções, com repercussões imprecisas a médio prazo, inferniza-se o dia a dia do homem do povo, retirando-lhe as facilidades que, por exemplo, Google, WhatsApp, Apple e YouTube emprestavam ao seu cotidiano. Ninguém convencerá que a causa do governo é justa se o cidadão comum não puder mais pagar suas contas pelo aplicativo, fazer compras com cartão, viajar para o Exterior e (o mais singelo) andar de metrô - porque até as cabines que vendiam tickets foram desativadas.

Com o mundo, previsivelmente, tomado de simpatia pelo mais fraco, comove a criatividade desse país com uma riquíssima história milenar de desprendimento, bravura e sobrevivência.

E a preparação para o enfrentamento revela o que cada um valoriza e cultua com devoção: muitos, com os filhos pequenos nas costas, feito mochilas, fogem na direção de uma paz redentora. Outros erguem barreiras e empunham fuzis, sem nenhuma certeza de que terão coragem de disparar o primeiro tiro, mas confiando que o ódio acumulado fará isso. E até houve quem, trancado em casa, a título de proteção contra estilhaços, tenha colocado na janela o seu bem mais valioso: uma barricada de livros.

J.J. CAMARGO

Nenhum comentário: