quarta-feira, 30 de março de 2022


30 DE MARÇO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

O COMBUSTÍVEL DA TROCA NA PETROBRAS

A percepção predominante em relação à troca no comando da Petrobras é a de que o presidente Jair Bolsonaro escolheu o sacrificado para atenuar pressões sobre o preço dos combustíveis: será o Tesouro. Ao fim, o contribuinte. Ao decidir demitir o general da reserva Joaquim Silva e Luna e substitui-lo pelo economista e consultor Adriano Pires, o governo descarta uma solução que passe por uma intervenção mais drástica na estatal, que faria com que a empresa abrisse mão de parte de seu caixa, assimilasse custos e evitasse reajuste nas bombas.

Pires, de perfil liberal e conhecido por sua atuação à frente Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), tem ideias consolidadas sobre o dilema. Para ele, a melhor saída para mitigar choques seria a criação de um fundo de estabilização dos preços formado pelos dividendos pagos pela Petrobras à União, dinheiro de royalties e participações especiais. Junto a isso, a ampliação de alguns programas sociais, como o vale-gás. O próprio Silva e Luna era simpático à ideia do fundo de estabilização, mas não se moveu nesse sentido, conforme as urgências do Planalto. Preocupado com a reeleição, o presidente da República tem pressa em dar satisfação à população para mostrar que não assiste inerte à alta dos valores dos combustíveis para os consumidores e ao seu impacto na inflação.

Uma intervenção direta na política de preços da Petrobras, que leva em consideração cotações do petróleo no mercado internacional e câmbio, seria bem mais difícil e, possivelmente, ruinosa. Isso em função de leis aprovadas e alterações na governança da estatal promovidas nos últimos anos voltadas exatamente a evitar voluntarismos do gênero, potencialmente desastrosos para a companhia e que, no limite, poderiam levar a desabastecimento no país.

A inflação alta, alimentada pelos combustíveis, é um fenômeno global. Mas no Brasil, a situação do consumidor é agravada pelo fato de que, enquanto os preços sobem, a economia nacional - bem mais claudicante em relação aos pares emergentes e à média mundial - anda de lado desde antes da pandemia e a renda da população cai, tornando localmente o desafio de arcar com os desembolsos bem mais penoso em termos comparativos. Oportunidades para discutir a questão dos combustíveis com antecedência, de maneira séria e responsável, como no âmbito de uma reforma tributária profunda, foram desperdiçadas. Buscam-se, agora, soluções no afogadilho.

Ao que parece, portanto, a intenção é demonstrar que alguma coisa se está tentando, mesmo com resultados incertos. Silva e Luna substituiu Roberto Castello Branco no ano passado pela mesma insatisfação do presidente. Mas nada mudou, embora o presidente que agora sai tenha segurado os preços por algumas semanas no início do ano.

Resta agora aguardar detalhes sobre como e quando devem ser implementados o mecanismo do fundo de estabilização e as medidas adicionais e esperar que não signifiquem um rombo ainda maior nas contas públicas, afetando fundamentos que se reflitam no câmbio. O governo já sabe, por exemplo, que terá de bloquear R$ 1,7 bilhão no Orçamento de 2022 para cumprir o teto de gastos. Sejam quais forem as saídas, devem mirar o interesse público, e não a conveniência eleitoral. Fora isso, é esperar que o conflito na Ucrânia possa caminhar para um cessar-fogo, o que poderia baixar a cotação do petróleo, e, ao mesmo tempo, demonstrar responsabilidade fiscal para manter o movimento de queda do dólar.

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