quarta-feira, 2 de março de 2022


02 DE MARÇO DE 2022
JEFERSON TENÓRIO

De que lado você samba?

Eu deveria gostar de Carnaval desde criança. Sou carioca. Nasci em Madureira. Me criei entre Lapa, Bangu e Vila Kennedy. Tinha tudo para gostar de Carnaval. Dona Sandra, minha mãe, também se esforçou para isso: me levava aos ensaios das escolas de samba, o que para mim era um suplício. E eu não compreendia, na época, o porquê de tantos risos, de tanta alegria e felicidade.

Lembro ainda, pequeno, dormindo emburrado, entre cadeiras das quadras de samba, ouvindo o surdo e o tamborim reverberando em meu peito, enquanto minha mãe se acabava no samba. Dona Sandra também me levava nos blocos de rua, me fantasiava de pirata, arlequim ou Tarzan, mas tudo a contragosto.

Depois, na adolescência, a época do Carnaval ainda soava estranha para mim. Havia uma incongruência entre a festa popular e o meu mundo interior. Minha timidez, meu jeito introspectivo, me impediam de enxergar a exuberância carnavalesca. Eu era um fracasso como folião.

Então veio a vida adulta. Voltei ao Rio, anos atrás, com a intenção de visitar museus em pleno Carnaval. Não foi uma boa ideia, já que a cidade se transforma nesse período e é quase impossível transitar por ela sem passar por um bloco de rua. Assim, entre um bloco e outro, entre uma rua e outra, deixei-me levar pela batucada. Mexi a cabeça, os braços e timidamente ensaiei um sambinha no pé. A partir dali, comecei a ver o Carnaval de outra forma, pois já havia passado por tantas coisas difíceis na vida. E ao lembrar dos ensaios, das idas aos blocos e daquela alegria que presenciara na infância, tudo passou a fazer sentido para mim naquele instante.

O Carnaval não é uma festa popular qualquer. Há algo de onírico e belo. Há algo importante e que nos liga à ancestralidade. Nossas máscaras carnavalescas foram substituídas pelas máscaras cirúrgicas da pandemia.

Por isso, no próximo Carnaval, se me chamarem para desfilar na avenida, não pensarei duas vezes. Eu vou. Colocarei de lado todo o meu acanhamento, toda a minha timidez, todo o meu descompasso, mas irei.

JEFERSON TENÓRIO

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