sexta-feira, 2 de abril de 2021


02 DE ABRIL DE 2021
+ ECONOMIA

Afinal, quem quebrou a CEEE-D

Um desastre do tamanho do ocorrido com a CEEE-D, privatizada na quarta-feira por simbólicos R$ 100 mil, com passivos de R$ 7 bilhões, é como os que ocorrem com aviões: não tem apenas uma causa. Para a quebra, somaram-se interesses políticos, más gestões, privatizações mal modeladas, interesses corporativos e maus servidores - para deixar claro, existem os bons.

Em reportagem publicada em setembro de 2015, o repórter Caio Cigana fez um raio-X desses componentes. Um dos passivos que terão de ser absorvidos pelo governo do Estado tem origem na fundação da empresa, em 1961, por Leonel Brizola. Havia uma autarquia, chamada Comissão Estadual de Energia Elétrica, que foi transformada em sociedade anônima. Era uma iniciativa modernizadora, mas como todos os servidores da autarquia passaram a ser funcionários da S/A, incorporaram direitos e vantagens, inclusive a de receber, como aposentados, o mesmo valor que ganhavam na ativa. A conta, seis décadas depois, é de R$ 465 milhões.

Vantagens acima da média para servidores marcaram a história da CEEE-D. A corporação dos eletricitários já foi tão forte que elegia deputados para defender seus interesses. A farra das ações trabalhistas teve auge entre 1994 e 1995, quando provocou até uma CPI das Ações Trabalhistas.

Nessa época, ficou claro que a área jurídica da CEEE era leniente: com boa parte dos serviços terceirizada, perdia prazos e não comparecia a julgamentos. Às vésperas do leilão, as despesas com ações trabalhistas voltaram a subir, somando R$ 124,5 milhões. O atual presidente do grupo, Marco Soligo, disse esperar que "um dia, o jurídico contribua para a empresa".

A privatização parcial do final da década de 1990, que deu origem à RGE e à AES Sul, hoje fundidas, também pendurou uma conta. A CEEE perdeu mais da metade da receita de distribuição e ficou com o passivo dos outros dois terços. Antonio Brites Jaques, presidente da CEEE no governo de Germano Rigotto (2003-2006), admitiu que "o acionista controlador vendeu duas empresas limpas, sadias, mas a CEEE ficou com as dívidas".

Em um dos episódios mais inacreditáveis, a CEEE ganhou na Justiça uma ação que cobrava perdas com a chamada Conta de Resultados a Compensar (CRC), um dos muitos "penduricalhos" da conta de luz. Entre fevereiro de 2012 e dezembro de 2013, o grupo recebeu R$ 3,2 bilhões líquidos. Seria a "salvação" da estatal. Do total, R$ 557,5 milhões foram para investimentos - que serão remunerados com a venda da CEEE-G -, cerca de R$ 2,2 bilhões foram para encargos, compra e transporte de energia, multas da Aneel e pagamento de dívidas. Mais R$ 464 milhões foram cedidos como garantia em contratos de financiamento. Sobraram R$ 1 milhão. 

Más gestões permitiram que perdas comerciais (consumo sem pagamento), conhecidas como "gatos", passassem despercebidas por décadas. Só ganharam a atenção da empresa por volta de 2010, quando passavam de 20%. Em 2014, haviam caído quase à metade, mas o assunto ainda está longe da solução, como mostram operações do final do ano passado, que flagram empresas furtando energia.

Toda gestão da CEEE-D foi marcada por interesses políticos, de Jair Soares a Tarso Genro. Um dos mais recentes, na administração do petista, foi o adiamento de um tarifaço de 28,28% que deveria ocorrer em outubro de 2014, às vésperas da eleição para o governo do Estado. O incidente acabou determinando a mudança na data do reajuste anual da tarifa para dezembro.

MARTA SFREDO

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