03 DE FEVEREIRO DE 2021
MÁRIO CORSO
Monumento ao impasse
Há dois meses, uma discussão agitou minha vizinhança. Era sobre a retirada de um guapuruvu na Rua 24 de outubro no número 997. O condomínio onde a árvore está queria tirá-la. Por uma obviedade, o medo de que cause danos e feridos pela queda de galhos. Já caiu um grande, cuja cicatriz é ainda visível. Porém os vizinhos e amigos das árvores queriam mantê-la como tal.
Essa árvore chamava atenção pelo seu porte imponente, quando florescia era maravilhoso vê-la. Guapuruvu é uma árvore de altura responsiva, ela sobe até furar o teto da floresta e então abre a copa. Nas cidades, tenta sobrepujar os edifícios. Mas observem que é raro encontrar uma árvore dessas sem galhos quebrados. Como toda árvore de crescimento rápido, seu lenho é frágil, quebradiço, nem para lenha serve. Na floresta, ela se protege do vento junto às outras árvores. Sozinhas, quebram fácil e é uma temeridade tê-las por perto. Não é necessário estarem doentes para quebrar, quebram porque estão no lugar errado. Sofrem menos em ruas estreitas, ao lado de edifícios, simulando seu hábitat. Em canteiros centrais definham.
Guapuruvu em cidade me lembra quem adota cachorro de fazenda e cria em apartamento. Destrói tudo e as pessoas se perguntam por quê? Ela é uma linda árvore, mas fora de lugar. Pessoas que não distinguem um limoeiro de uma casuarina desfilaram argumentos contra a retirada. O justo amor às árvores turva seus amantes.
Entendo o pessoal que impediu o corte. Eu sou um dos malucos por árvore. As podas em Porto Alegre me lembram um alfaiate sinistro, que se a roupa não fica certa, ele corta o cliente para ajustar. Em vez de mudar os fios, aqui mutilam-se as árvores. E de qualquer forma, em qualquer época, azar do vegetal.
O resultado da contenda acima foi um empate. Como a retirada foi parcial, a população impediu o término, restou um tronco de 20 metros, com quatro grandes galhos curtos ainda sem brotação.
Minha pergunta é: se tomássemos o que sobrou como uma instalação artística, poderíamos nomear a "obra" como um monumento ao impasse?
Monumento no sentido de que captura a essência do momento de Porto Alegre: o impasse, o não resolvido, o meio-termo em que todos perdem. Ninguém ganhou e a árvore morre aos poucos. Aqui todo afazer público é lento, arrastado, reagendado, abandonado, obras param no meio sem data ou justificativa. Quando finalmente algo fica pronto, como a Terceira Perimetral, nasce superado.
A discussão fuleira em torno do assunto, na qual me incluo, também faz parte desse impasse que o monumento representaria. Uma sociedade opinativa, democrática, mas que nos leva ao imobilismo. Há algo errado com nossa cidadania, tudo é passionalidade.
O pobre guapuruvu da 24, órfão de floresta, agora é um espetáculo de agonia, uma árvore-zumbi. Marcamos em seu corpo nossa incapacidade do agir coletivo.
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