Você tem direito a desconto na fatura pelos dias em que não teve energia elétrica. A conta deve ser proporcional. A compensação é automática, mesmo em casos fortuitos de tempestade.
Mas quem vai ressarcir as toneladas de alimentos que estavam no freezer, na geladeira, e foram jogados fora? Carnes e potes de comida devidamente condicionados foram desperdiçados após três dias sem luz.
Mais de 1,3 milhão de clientes padeceram com o apagão. Grande parte perdeu o seu rancho mensal.
O gaúcho costuma fazer uma despensa no congelador, adquirindo produtos em promoção, em especial para o churrasco. Não sobrou nada para o futuro. Nem as marmitas dos filhos preparadas de madrugada para a semana inteira.
Não se pôde passar adiante ou consumir no ato: simplesmente apodreceram. E quem pagará os eletrodomésticos estragados pelo vaivém da corrente elétrica? Máquina de lavar, de secar, geladeira, chuveiros elétricos sofreram com os baques.
Muitos acreditaram equivocadamente que a eletricidade estava normalizada, e ela, na verdade, encontrava-se em meia fase, naquele fogo-fátuo, bruxuleante e perigoso. Esses consumidores não receberam notificação de que a luz havia voltado em parte e da necessidade de se precaver com o uso do ar-condicionado.
O único controle era baixar e levantar o interruptor a toda hora, num ato repetitivo de enlouquecer. Nunca se olhou tanto para os apartamentos vizinhos da frente, para buscar luminosidade e salas acesas, pela esperança fugaz do reabastecimento.
Não existiu por parte da CEEE Equatorial qualquer campanha de informação por bairro. Não seria o caso de mandar mensageiros uniformizados para mitigar o desespero, reduzir os danos, esclarecer os consertos mais complexos?
Por mais que seja multada pela agência reguladora devido à baixa qualidade dos serviços, a CEEE Equatorial não muda, não investe, muito menos tem a sua concessão ameaçada.
Leonel Brizola está se revirando no túmulo enquanto assiste ao que virou a empresa estatal que criara em 1959, após incorporar ao Estado a subsidiária da estadunidense Bond&Share pelo valor simbólico de um cruzeiro. Quem pagará o nosso prejuízo? Quem irá ressarcir a nossa estabilidade arrancada de modo fulminante, sem dó nem piedade?
Economias familiares terminaram reduzidas a pó por ausência de informação oficial. Moradores não dispuseram de chance de tirar o carro da garagem por causa das árvores derrubadas nas calçadas. Isso quando não se surpreenderam com a perda total do veículo, afundado pelo excesso de chuva.
Tratou-se de um cenário de guerra, como se a capital gaúcha tivesse sido bombardeada. Finalmente entendi a gravidade literal do poema Noite Escura, do frade espanhol João da Cruz:
"E num segredo em que ninguém me via, Nem eu olhava coisa alguma,
Sem outra luz nem guia Além da que no coração me ardia". O Rio Grande do Sul amargou uma pandemia particular e exclusiva na última semana. Se não tinha como sair de casa, também não tinha como ficar em casa.
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