terça-feira, 30 de janeiro de 2024



30 DE JANEIRO DE 2024
OPINIÃO DA RBS

A REFORMA DA VEZ

Apesar dos obstáculos conhecidos para aprovar matérias complexas no parlamento brasileiro em anos eleitorais, governo e Congresso prestariam um grande serviço ao país caso entrassem em um consenso para votar ou ao menos encaminhar a reforma administrativa ainda em 2024. É sabido que, por razões políticas e ideológicas, a gestão Luiz Inácio Lula da Silva é mais resistente a possíveis mudanças nessa seara. De outro lado, há maior disposição dos presidentes do Senado e da Câmara para implementar mudanças em algumas diretrizes na área de recursos humanos do Estado brasileiro.

A despeito das objeções do Executivo e da oposição do funcionalismo, não há como procrastinar por muito mais tempo mudanças que modernizem a política de RH da União e tragam maior produtividade na prestação de serviços à sociedade. É preciso racionalizar gastos com pessoal, introduzir novidades como avaliação de desempenho e discutir as flexibilizações possíveis em pontos sensíveis como a estabilidade. A necessidade de reduzir a pressão por despesas no futuro é ainda mais relevante em nações sempre às voltas com fragilidades fiscais, como o Brasil. O déficit de R$ 230 bilhões do primeiro ano do governo Lula 3, conhecido ontem, ilustra a envergadura do desafio.

A reforma administrativa é a grande alteração estrutural que o país precisa levar a cabo, após as mudanças das regras da Previdência, da legislação trabalhista e da simplificação dos impostos. Polêmico por ser considerado uma espécie de síndico dos interesses eleitorais e corporativos do centrão, o presidente da Câmara, Arthur Lira, tem especial interesse em aprovar mais esta matéria. Seria uma forma de tentar ser reconhecido pelo legado reformista, após ter papel central nas discussões sobre a reestruturação tributária do país, aprovada no ano passado.

Um estudo do Banco Mundial apresentado em 2019 mostrou o grau de distorções vigente no país. O trabalho apontou que, em média, servidores da União ganhavam 96% a mais em relação a um profissional da iniciativa privada da mesma função e qualificação. À época, constatou-se ainda que o governo federal detinha 12% do total de funcionários públicos do país, mas representava 25% da massa salarial. Deformações para serem corrigidas não faltam. Uma delas é diminuir os vencimentos iniciais e fazer com que a progressão nas carreiras, até o topo, seja mais lenta. O excesso de penduricalhos que engordam os contracheques, da mesma forma, precisa ser revisto.

A Câmara tem um texto pronto para ser votado, apresentado pela gestão Bolsonaro, mas que encontra oposição no governo. O atual Executivo, por seu turno, promete apresentar uma proposta em fevereiro. A PEC em tramitação já foi bastante suavizada desde que começou a ser debatida. Valerá, por exemplo, apenas para os servidores que ingressarem no funcionalismo após ser sancionada.

Como toda reforma, a versão final a ser aprovada guardará boa distância da ideal. Ao fim, reproduzirá o consenso político possível. Mesmo assim, é preciso insistir em modernizar a gestão de pessoas no setor público, em busca de maior produtividade, justiça e economia de recursos. Em 2019, quando o tema voltou à pauta, projetava-se que, com a proposta em discussão, a contenção de gastos chegaria a quase R$ 400 bilhões em 10 anos. Mesmo que hoje os números sejam outros, ainda seria uma contribuição positiva para para o país, por apontar para o rumo de sustentabilidade fiscal.

É corrente que governos e parlamentares resistem em tocar em temas espinhosos em anos eleitorais para evitar desgastes que se reflitam nas urnas. A dispersão dos legisladores no segundo semestre, envolvidos nas campanhas, é outro empecilho. A conferir, portanto, a real disposição do Congresso para enfrentar o assunto em 2024 e as linhas da proposição a ser apresentada pelo Executivo.

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