terça-feira, 9 de janeiro de 2024


09 DE JANEIRO DE 2024
NÍLSON SOUZA

A Capital vazia

A feira orgânica que frequento na zona sul de Porto Alegre estava praticamente deserta no último sábado. Ao chegar à banca das laranjas, brinquei com o feirante que me atende há muitos anos naquele local:

- Cadê a tua clientela? O homem deu um sorrisinho desanimado e respondeu:

- Praiou! Em seguida, justificou o uso do verbo recém-criado:

- Não dizem por aí que sextou, sabadou? Pois, pelo jeito, o povo praiou.

Pelo que ouvi sobre o trânsito na autoestrada que leva ao Litoral, a palavrinha certeira resume tudo. Porto Alegre deixa de ser demais nos meses de verão. Quando a freeway engarrafa, as ruas e praças da Capital recuperam a tranquilidade da antiga província, com espaços públicos e privados praticamente liberados para quem fica.

Como hoje celebramos o histórico Dia do Fico, digo ao povo que sou um dos ficantes deste Forno Alegre onde nasci. Não chego a ser um associado da Sapa, a bem-humorada Sociedade dos Amigos de Porto Alegre, criada décadas atrás por escritores e intelectuais críticos do êxodo porto-alegrense de janeiro e fevereiro. Mas sou simpatizante. Suporto bem o nosso calorzinho de 40 graus, que é sempre apontado como o maior motivo da debandada rumo ao mar. Tenho, inclusive, repetido para amigos que encontro por aqui uma mensagem criativa que recebi na virada do ano:

- Paz, amor e... ventilador!

Ou ar-condicionado. Ou leque. Ou o que for necessário para encarar o abafamento, pois o sacrifício compensa. Na última sexta-feira estive no Centro Histórico, no meio da tarde. Caminhei pela Rua da Praia e pelas calçadas da Borges sem esbarrar em ninguém, entrei numa livraria totalmente vazia, comprei um pão caseiro numa padaria com poucos fregueses e voltei para casa antes da chuva das 18h, sem me estressar com os apressados do volante.

Para ser franco, devo dizer que gosto de Porto Alegre sempre, mas prefiro o seu momento aldeia ao ritmo frenético da metrópole dos demais meses do ano. Em outra ocasião, eu dificilmente teria parado para conversar com meu amigo feirante e ouvir dele a explicação para o seu neologismo. Nem teria observado num banco de praça do Centro uma senhora pedindo que a neta adolescente pusesse a tocar no seu celular músicas da Jovem Guarda. Na passagem, ouvi um trecho que dizia:

- Com tanto pão dando bola no salão...E ouvi também a reação espantada da moça.

- Como assim? Pão no salão?

Outros tempos, outras gírias, menina. Um tempo em que a nossa cidade era assim, tranquila, ingênua... Uma brasa, mora? E nem era tão quente.

NÍLSON SOUZA

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