quarta-feira, 31 de janeiro de 2024


31 DE JANEIRO DE 2024
MÁRIO CORSO

O valor dos velhos

A Ilha de Rennell, ou Mugaba - seu nome nativo -, fica no sudoeste do Pacífico. É a mais austral do arquipélago das Ilhas Salomão. Em 1910 um ciclone devastou as plantações dos ilhéus. Os habitantes ficaram arruinados, não tinham o que comer. Antes que as novas roças produzissem, precisavam recorrer a outro expediente para não morrerem de fome.

A comida de qualquer lugar é escolhida por ser palatável, nutritiva e fácil de conseguir. Mas existem outros alimentos que são deixados de lado. Por energeticamente não renderem tanto, ou serem parcialmente tóxicos, exigindo um processo a mais, ou ainda por terem gosto ruim. Porém, servem como alimento.

Diante dessa catástrofe, a questão era saber quais seriam esses alimentos alternativos. Não dá para sair comendo qualquer coisa, existem plantas inúteis como alimento, ou indigestas, ou ainda venenosas.

Essas plantas alternativas, hoje as conhecemos como Panc (plantas alimentícias não convencionais). Aliás, no Brasil não teríamos esse problema. Existe um excelente livro a respeito: Plantas Alimentícias Não Convencionais no Brasil, de Valdely Ferreira Kinupp e Harri Lorenzi. Além de trazer as informações e fotos das plantas, ensina como utilizá-las em receitas. Algumas plantas não comemos por ignorância, são tão saborosas e ricas em nutrientes como as convencionais.

Antigamente, os anciãos eram uma enciclopédia viva, guardavam na memória as informações para os problemas que se apresentavam. Neste caso, foram eles que salvaram seu povo. Eles sabiam identificar o que comer e como cada fruto, semente, vagem, raiz, caule ou folha alternativos poderiam ser preparados de forma segura.

Nos anos 1970, Jared Diamond esteve na ilha e registrou o fato. Descobriu o que significava a expressão "depois do hungi kengi", que é o nome que foi dado ao ciclone. Ou seja, os alimentos usados após o ciclone.

Esse caso nos conta como os velhos, que já tinham passado por outras catástrofes, ajudaram os jovens a sobreviver. Nosso tempo empurrou os velhos a serem apenas a memória afetiva da família; de resto são considerados ultrapassados.

Os povos ditos "primitivos" mostram-se mais espertos quanto ao lugar da sabedoria ancestral. Ainda que os dramas do presente possam ser distintos, temos que ter força e coragem para enfrentá-los. Quem pode ensinar resiliência, senão os que trazem cicatrizes de outras batalhas?

MÁRIO CORSO

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