terça-feira, 9 de janeiro de 2024


09 DE JANEIRO DE 2024
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O mais injustiçado

O motoboy é o personagem mais perseguido no trânsito pelos motoristas. Sempre recebe a culpa por não ter sido visto no retrovisor. O motoboy acumula as queixas pela entrega atrasada dos aplicativos. Ouve reclamações descabidas pela demora, quando, na maior parte das vezes, nem é responsável pela lentidão.

O motoboy é invisível, só lembrado no momento da crítica, na hora da insatisfação. Come o prato frio do silêncio. O motoboy, esse centauro do caos, esse anjo da guarda da pressa, que nos salvou durante a pandemia, que jamais ganha aplausos ou tem seus méritos reconhecidos, merece um outro olhar do público: mais generoso, mais compassivo, mais atento.

Além de ter que sobreviver ao trânsito infernal, ziguezagueando pelas ruas, gerando nervosismo, tensão e apreensão a seus familiares quanto a sua segurança, ele tem que suportar a ingratidão diária dos clientes do delivery.

Em 2023, o Sindicato dos Motociclistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindimoto-RS), entidade que representa os entregadores, reuniu 58 relatos de ameaças, agressões verbais e físicas, incluindo ofensas raciais, no Rio Grande do Sul. A capital gaúcha lidera o dossiê de casos, com 37 registros. Em seguida, está Canoas, na Região Metropolitana, com 12. Os outros episódios foram notificados em Caxias do Sul, Alvorada, Sapucaia do Sul, Esteio, Santa Maria e Novo Hamburgo.

A insalubridade ocorre em todos os aspectos, especialmente na esfera moral. O motoboy é encarado como um figurante indesejado, como um penetra das refeições, sofrendo menosprezos inconcebíveis. É vítima invariável da soberba, da arrogância, dos maus-tratos, do bullying financeiro e de classe. Com frequência, circulam vídeos em que ele é ridicularizado, zombado, escorraçado, despejado dos portões e portas por alguma contrariedade inventada.

Ele mal ganha um módico "obrigado", sequer é tratado com o mínimo de educação. Não estou me referindo à reverência, mas ao mais básico respeito.

Se o morador não quer descer para buscar a encomenda, e o motoboy não pode subir, porque não tem como ficar longe da sua moto por falta de vaga ou devido à intensa chuva, já acontece um escândalo que começa no interfone e se agrava em bate-boca na portaria.

Nossa impaciência vem da crença equivocada de que ele não faz mais do que a sua obrigação. Ele sempre fez mais do que a sua obrigação.

Não pensamos no quanto ele confere qualidade a nossa vida, o quanto nos economiza de tempo, o quanto nos socorre nos horários apertados entre o serviço e a casa. Assim como oferecemos 10% para o garçom no restaurante, deveríamos garantir esse mesmo percentual espontaneamente aos entregadores - quem me alertou da nossa incoerência foi o meu amigo Mário Corso.

Afinal, é uma questão de justiça para aquele que garantiu a chegada de nossa comida à mesa.

Não se trata de gorjeta, mas de nossa dignidade, de honrar os princípios de nosso caráter, de valorizar o árduo trabalho de deslocamento em rápidas corridas. Tire o capacete do preconceito, pare de encarar o motoboy de esguelha pelo visor das restrições, deponha o medo e a jactância, abra o bolso, olhe nos olhos: humanize a si mesmo.

CARPINEJAR

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