quinta-feira, 11 de janeiro de 2024


Universos paralelos na academia

Não sabia como me comportar na academia. Fazia alguns anos que não treinava. Nos primeiros dias, otimista com a retomada dos exercícios, cumprimentava todos:

- Bom dia! Tudo bem? Estranhava que ninguém retribuía. Meu aceno caía no vácuo. Ou o povo devolvia a saudação para dentro, a ponto de eu não ouvir as respostas. Parti do princípio de que era uma restrição comportamental do horário. Não dava para exigir bom humor antes das 8h.

Mas, ao alternar os turnos, percebi que a tradição monossilábica persistia. Por mais que eu vestisse roupas novas de ginástica, coloridas e chamativas, ou ostentasse luvas de marombado, recebia de volta apenas a discrição, o fanatismo do silêncio.

Respeitei a concentração alheia, o foco na performance individual. Parecia que ninguém queria perder tempo. A maior parte dos presentes, com fones de ouvido, mantinha-se entretida e encastelada nas suas playlists.

Aceitei o fato de que não se falava nos treinos, admitindo a troca de olhares mudos. Apesar da minha alta frequência naquele espaço, não seria um ambiente para a minha socialização. As interações se mostravam nulas. Eu usava os halteres em comum, parava ao lado das pessoas até que desocupassem o aparelho, e nada de muito papo e gentileza. Aliás, nenhum papo.

Fui me educando, não sem culpa, a passar reto. Fui me adaptando ao anonimato coletivo.

Eu me sentia como se empurrasse o carrinho num supermercado, ou esperasse para ser atendido no balcão de uma lancheria. Não havia pertencimento de equipe, coesão de uma categoria. Minha esposa me incentivou a experimentar aula de bike. Relutei, achando que encontraria igual marasmo solitário.

Vivi um choque de expectativas. Muda-se a sala, e os mesmos personagens da mesma academia viram, de repente, meus melhores amigos, conversando alto, incentivando, motivando, convidando para sair, para participar de trilhas, demonstrando interesse em minha vida, com uma intimidade muito além do mero cumprimento.

Contribui decisivamente para a cumplicidade o efeito da atmosfera de balada, com professores gritando, música bombando e luzes piscando. É uma dimensão paralela no prédio, um transe comunitário, uma energia descomunal.

Eu me viciei no spinning. Os mais ortodoxos e nostálgicos podem hoje me chamar de Nutella e me questionar: - Por que você não anda de bicicleta na rua? Só me resta devolver o espanto:

- Onde, cara-pálida? Parte de nossa ciclovia desmoronou na Avenida Ipiranga. Foi liberada agora, porém pode ser interditada a qualquer tempestade, absolutamente dependente dos boletins da Defesa Civil. A outra parte é falhada, jamais descobriremos quando começa ou termina. Talvez seja adequada para a bicicleta lunar do clássico filme E.T., de Steven Spielberg.

Do jeito que está Porto Alegre, antes um ciclista Nutella vivo do que um raiz acidentado.

CARPINEJAR 

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