terça-feira, 30 de janeiro de 2024


30 DE JANEIRO DE 2024
CARLOS GERBASE

A alegria de aprender

Certa vez, algumas décadas atrás, o professor Aníbal Damasceno Ferreira me emprestou um livro pequeno, com menos de cem páginas, chamado Reflexões Sobre a Erudição, de Howard Mumford Jones, um acadêmico norte-americano, falecido em 1980, que trabalhava com crítica literária e história do pensamento, além de ser jornalista e escrever poesia. Sempre respeitei as indicações do Aníbal, mas fiz uma cópia xerox e não li. Outro dia, arrumando minha estante de não ficção, reencontrei a cópia e resolvi dar uma olhada, que foi bastante proveitosa.

O livro traz a transcrição de três palestras do professor Jones, proferidas em 1958. A atualidade dos temas, 65 anos depois, é impressionante. A primeira palestra, Guerra, Ciência e Aprendizagem, discute uma reforma universitária que estava retirando verbas das humanidades para investir pesadamente nas ciências "duras" e no ensino de tecnologias. 

A segunda, A Gramática das Artes, cujo texto foi várias vezes grifado pelo Aníbal, defende que conhecer os enunciados básicos de uma disciplina, suas regras e princípios, é um primeiro passo essencial para dominar um campo de conhecimento ou de prática artística. A terceira, Uma Alegria Perene, assegura que a erudição é difícil de ser conquistada, mas o prêmio por um vislumbre do conhecimento é "uma satisfação vivificante e perene".

O Aníbal costumava dizer que é preciso saber a gramática dos filmes para desrespeitá-la com conhecimento de causa. Quem foi seu aluno guarda com carinho as anotações das aulas de linguagem cinematográfica. Ao mesmo tempo, ele incentivava os estudantes a realizar filmes, mesmo que ainda toscos e cheios de "patologias". Lendo Jones, encontro uma excelente síntese dessa união de teoria e prática. Há dois aspectos do aprendizado: "o aspecto do conhecimento sobre, e o aspecto do conhecimento de; isto é a informação erudita e a empatia imaginativa". Trocando em miúdos: a gente aprende lendo, estudando, mas também fazendo.

Se a erudição se transforma num exercício de pedantismo, é absolutamente inútil e estéril. E bem desagradável. A erudição deve dar frutos. Por outro lado, a prática artística (ou científica, ou filosófica) sem uma visão racional e crítica do que foi criado costuma resvalar para o território do sentimentalismo, ou do ativismo mais primário e ineficiente. 

Vivemos num tempo de frivolidades e ambição financeira, em que ser erudito parece ser inútil. Howard Jones ensina que "a alegria da erudição não é a capacidade de resolver palavras cruzadas e ganhar em shows de televisão, mas a capacidade de pensar em termos elevados no homem e sobre ele, e nas artes que melhor o expressam."

Salve Jones! Salve Aníbal! Salve a alegria de aprender!

CARLOS GERBASE

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