segunda-feira, 8 de janeiro de 2024


08 DE JANEIRO DE 2024
CARPINEJAR

Teremos que engolir as lágrimas

Foi-se Zagallo para a linha de fundo, para a esquerda de Deus, de pés descalços, levando as chuteiras desamarradas nas costas, para se despedir da vida com uma carreira perfeita, aos 92 anos, na noite de sexta-feira.

Foi-se a lenda, a mitologia da paixão, a estátua viva do futebol. Se Pelé consagrou-se como o maior jogador de todos os tempos, Mário Jorge Lobo Zagallo fez-se o maior futebolista de todos os tempos, somando o que realizou em campo e como treinador.

Foi-se o único tetracampeão mundial da história, bicampeão como jogador (Suécia 1958 e Chile 1962), campeão como técnico (México 1970) e campeão como coordenador técnico (Estados Unidos 1994).

Foi-se o soldado da Polícia do Exército, que trabalhou no policiamento do Maracanã lotado - quando o Brasil perdeu a Copa de 50 para o Uruguai em casa - e prometeu para si que levantaria a taça para os brasileiros inconsoláveis na época.

Foi-se a teimosia, o incansável, o Formiguinha, tricampeão carioca pelo Flamengo (1953-1955), o ponta recuado que combinou inteligência com resistência. Antes dele, o ponta esperava a bola. Depois dele, o ponta passou a buscar a bola, a ajudar na marcação.

Foi-se o corpo franzino em meio a gigantes, Davi brigando com tantos Golias, compensando a falta de físico com superioridade tática e preparação - pois atacava e defendia com igual eficiência.

Foi-se o cavalheiro, o gentleman, o jogo limpo e honesto. Em 16 anos de carreira como jogador, jamais foi expulso. Recebeu o raro Troféu Belfort Duarte pela atuação de uma década sem nenhum cartão vermelho.

Foi-se o pioneiro, o primeiro a conseguir passe livre em sua transferência do Flamengo para o Botafogo. Ao lado de nomes consagrados como Nílton Santos, Garrincha e Didi, conquistou o bicampeonato carioca (1961 e 1962).

Foi-se o terceiro homem, o que auxiliava a fechar o meio de campo, o que não era artilheiro, mas sempre se mostrava decisivo, com 25 gols em 209 jogos pelo Flamengo, 32 gols em 300 partidas pelo Botafogo e cinco gols em 36 exibições pela Seleção - sendo um deles na final da Copa do Mundo de 1958, com vitória por 5 a 2 sobre a Suécia.

Foi-se a liderança em campo que migrou para a casamata, o técnico mais novo a assumir a Seleção, aos 39 anos, regente do tri no México. Ousado, montou um Brasil inesquecível, impactante, irrepetível, reunindo cinco camisas 10 no time titular, o que parecia impossível até então: Pelé, Gérson, Tostão, Rivellino e Jairzinho.

Foi-se o mentor do jogo sem a bola, em coreografias ensaiadas, privilegiando o posicionamento. Foi-se o motivador de grupo, aquele que queria dar show além de ganhar, que pensava no torcedor que pagava ingresso.

Foi-se quem honrou a camiseta canarinho com o abrigo de treinador, comandando o país em 238 oportunidades, com 168 vitórias, 51 empates e 19 derrotas.

Foi-se o supersticioso que transformou o azar em sorte, o adepto do número 13 pela devoção da sua esposa a Santo Antônio, celebrado em 13 de junho. Foi-se a genialidade feita pela competência, a nossa enciclopédia humana, folheada agora em sua última página.

Ficou famosa a sua declaração aos repórteres em 1997, após a vitória por 3 a 1 contra a Bolívia: "Vocês vão ter que me engolir!". Hoje teremos que engolir as lágrimas.

CARPINEJAR

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