22 DE JANEIRO DE 2024
+ ECONOMIA
Mais soluções, menos exploração
As tempestades severas provocadas pela combinação entre o fenômeno periódico El Niño e a mudança climática marcaram 2023 de forma trágica no Rio Grande do Sul e continuam provocando estragos neste 2024 que embute uma eleição municipal. Além dos desafios de prevenção, socorro e reconstrução, neste ano será preciso enfrentar a exploração política que reveste cada ação ou inação relacionada à vida nas cidades.
Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo levou ao paroxismo a inútil novela da cobrança de doação de geradores para as estações de bombeamento do Dmae, sob a alegação de que a demora no restabelecimento de energia era a responsável por milhares de cidadãos ficarem sem água.
Se o prefeito deixou sua digital na exploração política dos estragos, a oposição ensaia a criação de uma sabidamente inócua comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar os motivos da demora no restabelecimento de luz - problema que tem fiscalização estadual (Agergs) e federal (Aneel), mas nenhuma municipal.
Faria sentido que a Câmara de Vereadores discutisse o abastecimento de água, prestado por uma empresa municipal. Mas se propor a "investigar" problemas no restabelecimento de energia elétrica é mera exploração política. Aliás, o que caberia esclarecer é por que, afinal, não há geradores nas estações de bombeamento de Porto Alegre. A coluna fez uma simples pesquisa e constatou:
1. Em novembro de 2023, Mogi Mirim (SP) comprou um gerador.
2. Um mês antes, Balneário Camboriú (SC) havia feito o mesmo, no plural.
3. Em 2018, Joinville (SC) instalou gerador em sua maior unidade, não para enfrentar falta de luz, mas para economizar energia.
Há inúmeros outros exemplos, basta procurar. E, claro, não é só em Porto Alegre que há exploração política. Os eleitores podem aproveitar a pouco usual exposição dessas fragilidades para o que mais lhes interessa: cobrar soluções sustentáveis, tanto do ponto vista econômico-financeiro (o que custa menos e resulta em mais benefícios) quanto ambiental (o que pode contribuir, no futuro, para amenizar estragos).
A demora na religação de energia elétrica, precisa ser investigada, sim. Mas basta ver o histórico recente das CPIs para prever que será palco mais de exploração político-eleitoral do que para apontar soluções. A privatização desse tipo de atividade essencial só se justifica com fiscalização eficiente. Sem isso, é mais uma exploração política de problema público.
O Brasil aprovou reforma tributária parcial - apenas dos impostos sobre o consumo - depois de quase 40 anos de espera, mas o resultado é controverso e muitas decisões cruciais ficaram para a regulamentação. Ainda neste mês, os grupos técnicos que vão propor as regras que faltam devem começar a trabalhar, com prazo de 60 dias. Quem promete acompanhar esse processo com lupa é Gustavo Brigagão, sócio-fundador do Brigagão, Duque Estrada Advogados, advogado e professor de Direito Tributário nos cursos de pós graduação da Fundação Getulio Vargas (FGV) que atuou em várias entidades nacionais internacionais relacionadas ao universo dos impostos, como a International Fiscal Association (IFA) e a Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF).
Qual sua expectativa sobre a regulação da reforma tributária sobre consumo?
Houve um empenho forte para que a reforma do consumo fosse aprovada, com açodamento enorme. Essas mudanças prometiam um sistema mais simples do que o atual, a não cumulatividade, o fim da guerra fiscal, mas entregaram o oposto. O texto final deixa muito a desejar, e o processo da emenda constitucional não foi adequado.
A espera de quase 40 anos justifica a pressa?
Esse não é um bom argumento. O relatório final só ficou pronto 24 horas antes da votação, e ainda foi mudando durante a apreciação. O texto completo só foi disponibilizado sete dias depois. Houve dois turnos que foram um só, votação remota sem necessidade. Muitos deputados sequer leram o projeto, não por não querer, mas porque não deu tempo.
Por que o texto não é bom?
Para começar, em vez de transformar cinco impostos em um, como se dizia, troca cinco por cinco. Saem PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, entram IBS, CBS, imposto seletivo, Cide e IPI da Zona Franca. Ainda não ficou definido o conceito de cumulatividade e, além disso, existe a possibilidade de que as empresas só possam se creditar se verificarem o que seu fornecedor recolheu e pagou. Isso é um absurdo, não existe em qualquer outro lugar no mundo. E da forma como foram criados o IBS e a CBS, vamos ter o IVA mais alto do planeta. A União vai querer cobrar 12%, os Estados estão elevando alíquotas de ICMS já agora, reclamando que serão prejudicados com a reforma. Vão querer uma alíquota alta.
Há chance de melhorar aspectos com a regulamentação?
A redação ficou muito ruim, confusa, conflituosa. Se não houver mudança, vamos ter uma não cumulatividade tão complexa quanto é hoje. E até 2032, vamos ter de conviver com dois sistemas e dois cálculos. Com um texto que altera de forma disruptiva a tributação do consumo, era preciso ter mais cuidado, ser lido e discutido palavra por palavra, vírgula por vírgula. Agora, vai ser preciso consertar uma série de equívocos. Será preciso conceituar com clareza o que é bem de uso e o que é bem de consumo, deixar límpido e cristalino, para evitar que Estados e municípios fiquem brigando entre si. E precisamos uma regulamentação muito detalhada e clara do que é não comulatividade.
GUSTAVO BRIGAGÃO Advogado e professor de Direito Tributário
MARTA SFREDO
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