16 DE JANEIRO DE 2024
CARPINEJAR
Jamais participaria do "Big Brother Brasil"
Jamais participaria do BBB. Porque você não pode ler nem escrever no período do confinamento. Tem que parecer iletrado.
Aquele que conta com hábito diário de escrita e leitura jamais conseguiria atravessar tamanha abstinência triste. É o BBB do analfabetismo. Desde 2014, livros deixaram de ser recomendados na casa mais vigiada do país. Desde 2020, foram banidos de vez.
Trata-se de um estímulo claro contra a cultura, priorizando a aparência. Se, por um lado, vigora a regra positiva de não usar redes sociais, num momento detox off-line, por outro, elimina-se junto o alimento intelectual.
Em cem dias de reclusão numa residência paradisíaca, 26 integrantes não tocam em nenhuma obra. Como se fosse uma droga antissocial, que inibe a interação e induz o isolamento reflexivo.
Com uma decoração inspirada em contos de fadas, o complexo televisivo apresenta um oásis de atletas, modelos e celebridades, incentivando a não pensar, a não se emocionar, a não adotar o nosso infindável acervo de narradores e poetas.
Repete-se na realidade a ficção de Fahrenheit 451, romance de Ray Bradbury e filme de François Truffaut. Num futuro hipotético, os livros acabam proibidos por um regime totalitário, incinerados por uma brigada de bombeiros, sob o argumento de que fazem as pessoas infelizes e improdutivas.
É o exemplo que o programa com maior audiência da TV Globo pretende oferecer: você não precisa ler. Ler é secundário. Ler é um ato insignificante. Quem não lê se habilita a se dar bem na carreira e ganhar um prêmio em torno de R$ 3 milhões.
Não falta academia, não falta piscina, não falta salão de jogos no lar cenográfico, mas não existe uma única biblioteca. Não existe uma única cabeceira da cama ocupada por uma pilha colorida de títulos.
É permitido se manter isolado numa esteira ou num aparelho de ginástica por horas a fio, sem conversar com ninguém, porém não é possível ocupar o mesmo tempo com leitura no quarto ou numa rede.
Perde-se uma chance rara de motivar o público a consumir nossos autores, a transformar escritores pouco conhecidos e talentosos em best-sellers. Com o emprego adequado dessa vitrine, melhoraríamos os índices de venda das livrarias e encheríamos a estante do espectador com esperanças de ideias e lições de vida.
Segundo pesquisa do Instituto Pró-Livro, Retratos da Leitura no Brasil, de 2020, o país teve uma queda de 4,6 milhões de leitores entre 2015 e 2019. O brasileiro costuma ler somente cerca de cinco livros por ano, sendo que a metade deles é folheada em parte, enquanto o canadense lê 12 livros por ano.
O Big Brother Brasil coloca na berlinda uma juventude obcecada pelo porte físico, uma geração intermitente de adrenalina, que só anseia pela próxima festa. Não beneficia a qualidade da escuta, a envergadura das histórias, o amparo psicológico que o conhecimento garante. A escola, os professores, a formação acadêmica não pesam em nada no currículo, pois o interesse exclusivo é pelos números de seguidores nas contas virtuais.
Não há nenhum representante das faixas de 50, 60 e 70 anos entre os concorrentes. A maturidade e a velhice também são discriminadas no reality, o que culmina em etarismo.
Abre-se ainda um perigoso espaço para a coisificação da mulher e a entronização do desejo machista por um tipo perfeito, jovial e anoréxico. Sinto falta de lampejos de empatia, altruísmo e reconhecimento das diferenças que a literatura é capaz de fornecer em doses diárias.
Como alertava o nosso poeta Mario Quintana, "os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem".
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