terça-feira, 23 de janeiro de 2024


23 DE JANEIRO DE 2024
NÍLSON SOUZA

O assobiador e a ponte

Um homem de meia-idade, vestindo camisa clara, bermuda e tênis, passou por mim em marcha acelerada na rampa de acesso ao supermercado. Assobiava alto, como se estivesse no banho. Resoluto, desembaraçou um daqueles carrinhos que sempre se prendem aos outros e entrou loja adentro sem interromper a melodia e sem ligar para os olhares curiosos cravados nele. Eu mesmo não pude evitar um comentário no ouvido de minha companheira de compras e de vida:

- Deve ter voltado a luz na casa dele!

Na verdade, não sei o que motivava o assobiador, mas percebi que sua atitude entusiástica acabou contagiando outras pessoas. Assim como ocorre com o bocejo alheio, que, segundo algumas teorias científicas, mexe com nossos neurônios-espelho e faz com que bocejemos também, observei logo adiante que um segurança do súper também assobiava e um empacotador assoprava baixinho enquanto fazia seu trabalho.

Em tempos de crises climáticas e guerras estúpidas, é sempre um alívio constatar que a alegria espontânea e a solidariedade também são contagiantes.

Veja-se o que ocorreu no município de Nova Roma do Sul. Em setembro do ano passado, a natureza em fúria destruiu a ponte sobre o Rio das Antas, ligação entre a pequena cidade da serra gaúcha e sua vizinha Farroupilha, principal caminho asfáltico para escoamento da produção local e para o trânsito de pessoas. Em vez de ficarem apenas se lamentando e esperando pela burocracia estatal, os habitantes da comuna resolveram se mobilizar, arrecadaram os recursos necessários para a obra, contrataram uma empreiteira e, menos de cinco meses depois do desastre, inauguraram uma nova e sólida travessia.

Claro que esse tipo de movimento não surge por geração espontânea. Alguém teve a ideia original, convenceu-se de que era possível, assobiou como um flautista de Hamelin e enfeitiçou a multidão. Todos correram para fazer doações, promover festas comunitárias e rifas, arrecadar dinheiro como fosse possível para custear a nova estrutura de ferro. No final das contas, sobraram até uns trocados para obras no entorno.

- Teve gente que fez Pix de centavos para ajudar - contou, emocionado, um dos dirigentes da associação de amigos da cidade na reinauguração da ponte, no último sábado.

Emoção também contagia. Eu, pelo menos, fiquei bastante comovido com a bravura e a determinação daquela gente. Me deu vontade de sair assobiando por aí.

NÍLSON SOUZA

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