quarta-feira, 24 de janeiro de 2024


24 DE JANEIRO DE 2024
cARPINEJAR

Pilhar crianças?

Fraudar livros didáticos é uma daquelas incompreensões até para o sindicato dos ladrões: pilhar escolas públicas? Saquear crianças? GZH, a partir de seu grupo investigativo, descobriu galpões com material didático da Secretaria Municipal de Educação (Smed) apodrecendo, sem ter sido repassado para a rede de ensino.

O escândalo de desperdício de dinheiro público desencadeou a renúncia da secretária Sônia da Rosa, em junho do ano passado. Agora, a denúncia está nas mãos da Polícia Civil, que investiga possíveis fraudes entre empresas suspeitas e a Smed. Vêm sendo examinadas 11 licitações.

Na manhã de ontem, iniciou-se a Operação Capa Dura, que prendeu quatro pessoas, entre elas a própria ex-secretária de Educação da Capital.

A pasta adquiriu 544 mil livros em 2022 com irregularidades comprovadas pela polícia. O gasto se mostra na ordem de R$ 34 milhões. Tudo é muito estranho mesmo. O valor de cada livro, na faixa unitária de R$ 62,50, está acima do preço praticado quando se trata de compra governamental em grandes quantidades.

Usando como referência o governo federal, o livro que é adotado pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) costuma apresentar uma redução pela editora de 80% a 90% do preço de capa.

Ou seja, parece que o preço dos livros adquiridos pela Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre não seguiu as porcentagens de desconto de lotes e tiragens exclusivas. Não foi rigorosamente adaptado para os moldes licitatórios.

De acordo com pesquisa realizada pela Nielsen Bookscan e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), o preço médio do livro em 2023 era de R$ 46,39 - permanece muito distante de R$ 62,50 por unidade.

Tampouco é praxe fazer aquisições volumosas de títulos desconhecidos. Não se arrebatam centenas de milhares de livros de conteúdo pedagógico (meio milhão!) sem consagração devida entre os pesquisadores ou leitores.

Os livros investigados são desconhecidos do grande público: - Coleção Aprender Mais, reforço de português e matemática, preparatório para o Saeb

- Educação Ambiental e Sustentabilidade

- Empreendedorismo e Projetos de Vida

- Educação Financeira e Consumo

- Projeto Aventura na Leitura

O que chama atenção é que não há autor mencionado na capa em nenhum deles. Não é um procedimento-padrão no mercado editorial. Sempre existe um organizador ou um professor responsável pelo material apresentado, capaz de conferir credibilidade e assumir a legitimidade das reflexões, das formulações, dos exercícios e do embasamento teórico, com o compromisso de mencionar e detalhar as suas fontes.

Trata-se de uma exigência de qualidade, um pré-requisito de proteção do copyright, ainda mais em tempos de manipulações por inteligência artificial.

São questionamentos que causam estupor.

As justificativas para a aquisição são igualmente estrambólicas. Aplicou-se um tipo de licitação conhecido como "carona", aproveitando-se licitação realizada por outro ente público. Nesse caso, uma compra realizada pelo governo de Sergipe. Não foi esclarecida ainda a ligação do ensino de Porto Alegre com o de Sergipe.

Houve seleção criteriosa? Ou as coleções foram produzidas às pressas para atender a uma demanda de cartas marcadas? Cabe à Polícia Civil responder o quanto antes. Só sei que os livros-alvo da polêmica não são clássicos, estão longe de ostentar capa dura.

CARPINEJAR

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