04 DE AGOSTO DE 2023
CARPINEJAR
O segredo de uma casa em ordem
Sempre que visitava um amigo, estranhava a ordem excessiva do seu apartamento. Tinha até vergonha da minha falta de método e de disciplina. Sua sala era um brinco. Sua cozinha era um colar. Seus corredores eram braceletes de diamantes.
Os cantinhos estavam sempre arrumados, brilhantes, nos trinques. Lembravam a decoração estática de uma recepção de hotel. Não havia um livro perdido, um jornal esculhambado, uma louça suja.
Nunca observava sujeira evidente, mesmo ele morando sozinho. Já pensava que arcava com severo TOC. Certa vez fui ao toalete, entrei pela porta errada e dei de cara com uma zorra sem igual: varal de chão, montanha indefinida de calças e camisas, lençóis empilhados, pastas e papéis embaralhados, liquidificador sujo.
Foi um susto, como se deparar com o inferno logo depois de passar pelo paraíso. Identifiquei o segredo da sua limpeza: o cômodo da bagunça. Não inveje a arrumação alheia. Corresponde a um truque de ilusionismo, um despiste da aparência, uma trapaça circunstancial.
Não existe mágica. Não existe faxineiro extraordinário. A pessoa empilha tudo o que não presta, o que não usa num único aposento e fecha a porta para ninguém ver, para nunca mais. Toda casa arrumada tem um quartinho dos entulhos, com o que é excedente ou referente ao material de limpeza e de manutenção.
Onde você colocará a escadinha? O colchonete? O aspirador de pó? A piscina de plástico? Os azulejos adicionais? As cadeiras de praia? Os halteres dos exercícios que não faz mais? A caixa de ferramentas? Jamais deixará à vista. Jamais integrará os utensílios extravagantes à decoração. Só se morar numa loja de ferragens ou num brechó.
Então, é fundado um estaleiro da inexistência, um não lugar, um purgatório de objetos eventuais. Só que você acaba o estendendo para ocultar a sua bagunça do dia e guardar as tarefas que não conseguiu finalizar na semana, como roupas para passar.
Os mosquitos partem dali. Pode ter certeza de que o caos está concentrado em algum elo perdido. Ou num box de banheiro desativado, ou num quartinho nos fundos do imóvel. Pois a área de serviço não dá conta do museu do cotidiano.
Nossos avós não sofriam desse mal, tinham o porão ou o sótão como esconderijos dos acessórios da existência. De forma análoga, nossos pais desfrutavam da larga garagem com direito às estantes de metal e balcões.
Devido à atrofia das acomodações, o cômodo da bagunça foi o jeitinho que encontramos para não enlouquecer com as tralhas. Tampouco entre na neurose de tentar ajeitar o seu depósito. Não comece o que não disporá de tempo para terminar. Levaria o resto da vida para ordenar o espaço.
Diante da simetria e do asseio doméstico, apenas entenda que todos são como você. Trata-se de uma encenação destinada a enganar as visitas. Para não estragar o fingimento, pergunte certinho onde é o toalete.
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