12 DE AGOSTO DE 2023
J.J. CAMARGO
A SOLIDÃO DAS PESSOAS MAIS SIMPLES
Sempre me comoveu o convívio com as pessoas mais humildes e a certeza de descobrir nelas o afeto mais puro e uma capacidade incomparável de retribuir qualquer gesto minimamente generoso.
Ao contrário de muitos poderosos que agem como se o mundo fosse um imenso tapete vermelho à espera de que seus pés graciosos e gentis lhe concedam o privilégio de pisoteá-lo, os humildes têm uma subserviência comovente e por ela acreditam que as migalhas que recebem são sempre imerecidas e exageradas.
E essa atitude humilde é universal.
No famoso relato sobre o desenvolvimento humano do adulto, mantido pela Universidade de Harvard há mais de 80 anos, a população estudada era formada por dois grupos socialmente distintos para eliminar os vieses atribuíveis à diferenciação sóciocultural e econômica. Com esta preocupação, metade da população era formada por egressos da Harvard, e a outra, por empregados do porto de Boston.
A pesquisa teve início em 1938 e acompanhou a vida de 724 homens durante 76 anos, realizando questionários a cada dois anos sobre suas vidas, que incluíam a qualidade de seus casamentos, satisfação no trabalho e atividades sociais. Além disso, sua saúde física era monitorada a cada cinco anos.
Robert Waldinger, o quarto gestor desse programa, quando apresentou os resultados dos primeiros 75 anos de seguimento desses grupos referiu que muitas vezes ouviu dos integrantes do lado pobre da curva que eles estavam bem, e que os doutores não precisavam se preocupar tanto com eles. E então, com cara de deboche, ele comentou que nunca ouviu um tal pedido dos egressos da Harvard. Tudo indica que os bem-nascidos se acham merecedores de distinções e privilégios que, na maioria das vezes, não fizeram nada para merecer. Os pobres, no entanto, habituados com pouco, aparentemente consideravam um exagero o atendimento igualitário.
Das histórias mais comoventes que encontrei entre pacientes humildes das enfermarias do SUS, está a de um homem velho, com câncer avançado, que, perguntado sobre como estava se sentindo pelo residente que passava em visita rápida pela enfermaria, respondeu que "Graças a Deus, estou melhor e me sinto mais forte".
Quando o médico saiu, ele foi interpelado pelo vizinho de cama que, lhe perguntou: "Por que o senhor disse ao doutor que estava tudo bem, se ainda ontem o senhor confessou que sentia a morte se aproximando porque estava cada vez mais fraco?".
"Porque os médicos jovens são iguais aos nossos netos", respondeu o homem com câncer. "Eles não gostam de velhos queixosos. Se a gente tirar a esperança do doutor, ele se desinteressa da gente e não volta mais aqui."
Na busca desesperada por acolhimento e proteção, esta mentira inocente lhe parecera um recurso válido. Antes que a inteligência artificial assuma o comando como pretendem seus ardorosos propagadores, os médicos menos afeitos ao encanto de cuidadores já estão se desfazendo da inteligência emocional, esse atributo das almas sensíveis que deveria nos manter inalcançáveis à rigidez dos robôs.
Enquanto decidimos qual a medicina é mais resolutiva, quem vai cuidar da solidão das pessoas mais simples?
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