31 DE AGOSTO DE 2023
CARPINEJAR
Inter é Ulisses
Com a guerra vencida sobre os troianos, os gregos retornaram ao seu lar. Só que o tempo de regresso durou tanto quanto o da própria batalha. Ulisses levou 10 anos para chegar a Ítaca, sua terra natal.
Experimentou um circuito atribulado de desafios. Teve que arcar com tormentas sucessivas e animosidade dos deuses. Viveu um período de purgatório e de sombras. Enfrentou o monstruoso ciclope Polifemo em sua caverna, sobreviveu ao feitiço de Circe, que transformou muitos dos seus companheiros de exército em repelentes animais, resistiu ao canto das sereias, negou a oferta de imortalidade proposta pela ninfa Calipso se ficasse com ela.
Demorou para reencontrar a sua paz, a sua calmaria, a sua identidade, o DNA de suas conquistas e feitos. Estou descrevendo o poema Odisseia, de Homero, que não deixa de simbolizar a história recente do Inter. Com a classificação para a semifinal da Libertadores, parece retomar um fio perdido naquela última semifinal com Tigres, em 2015, que desembocou em rebaixamento no ano seguinte.
Dali por diante, foi um horror. Nada deu certo. O time suportou oito anos de sofrimento e de amargura, de crises e blecautes, de troca incansável de técnicos e métodos, de gestões questionadas e controvertidas, de intrigas no vestuário, de sapos enterrados, de eliminações nas penalidades, de tropeços com equipes inexpressivas, de greve no treino, de briga com ídolos, até retornar hoje ao cenário das finais da Glória Eterna, de onde nunca deveria ter saído, até testemunhar novamente o Beira-Rio lotado, com 50 mil pessoas comemorando a sua passagem como um dos quatro melhores clubes do continente.
É um retorno à sua estatura de Campeão de Tudo, à pátria vermelha, à confiança dos cânticos das arquibancadas. Recuou espiritualmente à encruzilhada para refazer a senda das vitórias.
É como se o Colorado despertasse de um longo coma, de um apagão de oito anos. Recuperou o tripé que sempre caracterizou as suas principais formações: defesa (com um goleiro líder, Rochet, e um zagueiro cascudo, Mercado), armação (com o regente liso Alan Patrick) e finalização (com o centroavante matador Enner Valencia).
Inter é Ulisses chegando de volta para competir de igual para igual, contra a garra argentina ou a altitude boliviana, desfazendo-se do complexo de vira-lata, das vestes e da síndrome de mendigo, mostrando-se mais maduro para reverter reveses ou controlar vantagem, com as cicatrizes enfim saradas de uma longa ausência.
Não sei o que virá, mas é consenso que o ambiente já é outro, já está radicalmente diferente. São apenas três jogos para o Tri da América.
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