Este mundo é um pandeiro
Abre-se a cortina do passado. Imaginem um espetáculo que contasse a história da ditadura militar brasileira através de marchinhas de Carnaval. Cenário: arquitetura modernista, plumas e paetês, blindados. Com apoio da classe média, os generais do balacobaco chegam a Brasília assobiando Ô Abre Alas para o golpe de 64, mas a lua de mel com a sociedade civil dura pouco. Deslumbrada com o poder e as mordomias (Mamãe eu Quero), a galera do 1º de abril não quer dividir o banquete com ninguém.
É o fim das eleições livres, da liberdade de expressão e do Estado de direito: Daqui não saio, daqui ninguém me tira. Passam-se 20 anos. Quando ninguém mais aguenta tanta censura e lambe-botas, a camélia cai do galho. Com o país afundado em dívidas (Me dá um dinheiro aí), a turma do cantil é mandada de volta para a caserna. A orquestra toca A Pipa do Vovô e todos saem de cena. The end.
Trinta anos depois, a história ameaça se repetir - mas como chanchada da Atlântida. Com ajuda da inteligência artificial, Oscarito é escalado para interpretar o papel do presidente muambeiro que só quer saber de andar de motoca, garantir o pé de meia da família e permanecer indefinidamente no poder - desde que nada disso dê muito trabalho. Ao seu lado, Grande Otelo, o faz-tudo trapalhão, Wilson Grey, o advogado trambiqueiro, e grande elenco verde-oliva.
Talvez você ache que é cedo demais para rir dessa piada de mau gosto e que personagens sinistros como esses combinam melhor com o gênero "filme de penitenciária". Para o meu gosto, um bom drama de tribunal já seria um ótimo começo.
A julgar pela quantidade de filipinos que têm lotado o Broadway Theater, em Nova York, para assistir ao musical Here Lies Love, baseado na vida de Imelda Marcos, viúva do ditador Ferdinando Marcos (1917- 1989), ri melhor quem consegue rir (e dançar) das próprias desgraças. Para contar a história do casal que desviou milhões de dólares de dinheiro público para sustentar seu estilo de vida extravagante, David Byrne e Fatboy Slim conceberam um musical arrebatador e super dançante. Como Imelda adorava uma pista de dança, o teatro foi transformado em uma enorme réplica high tech da Studio 54 - discoteca onde a ex-primeira-dama costumava desfilar sua coleção de sapatos nos anos 1970.
Diversão garantida para fãs de musicais, o musical Here Lies Love tem sido acusado de jogar purpurina sobre uma família que continua dando as cartas nas Filipinas. Filho de Imelda e Ferdinando Marcos e atual presidente do país, Bongbong Marcos espalha fake news com a mesma diligência com que sua mãe costumava colecionar sapatos.
Como na nossa tragicômica chanchada nacional, os próximos capítulos dessa história ainda estão por ser escritos.
CLÁUDIA LAITANO
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