segunda-feira, 21 de agosto de 2023


21 DE AGOSTO DE 2023
CARPINEJAR

Uma advertência que vira virtude

"Você não é todo mundo!" Tratava-se de uma das mais irritantes frases que escutávamos na infância, senão a mais enervante do repertório familiar. Aquilo doía. Aquilo magoava.

Batia-se a porta das restrições em nossa cara. Porque, como criança e adolescente, você quer se igualar aos colegas. Participar da turma. Fazer parte da tribo, de um bloco único e indivisível de aparência das amizades. Ser popular. Receber o carimbo em brasa do rebanho.

O contexto da sentença se estabelecia depois de algum protesto por falta de recursos ou regalias. Você reclamava que não tinha um tênis de marca, ou que não poderia comprar um caderno com a estampa do momento, ou que não dispunha de uma roupa da moda, ou que deveria voltar mais cedo de uma festa. A reprimenda da mãe ou do pai acabava com a discussão.

Você ainda tentava prolongar a lamúria com a delação premiada, alegando que fulano tinha tal coisa ou sicrano ganhava passe livre para chegar mais tarde. Não adiantava, você não era como todo mundo.

Os dizeres castigavam seu ideal ansioso de coletividade. Funcionavam como uma condenação à solidão. Você não se sentia especial na época, pelo contrário, o comunicado surgia como uma exclusão sumária, uma poda da sua liberdade. Dava a entender que só você não desfrutava de certos privilégios, os demais ao seu lado sim.

Depois, com a maturidade, você digere a lição, o até então intragável "para-te quieto", como um dos ensinamentos mais importantes da vida, para respeitar os seus limites, para agradecer o que você tem, para não ser engolido pela inveja, para não ser consumido por relações superficiais.

Nossa história é cheia de inversões, de reviravoltas emocionais. Com as experiências frustradas em grupo - quando bebe além da conta para acompanhar as suas parcerias e é zombado na festa, ou quando se declara amorosamente em público e é humilhado, ou quando não concorda com o bullying sofrido por um amigo e é insultado, ou quando é filmado em situação de fragilidade, ou quando se assusta com a violência de uma torcida -, a censura passa a ter uma lógica de virtude, e você deseja se desvincular da grosseria em massa.

"Você não é todo mundo" torna-se um elogio. Segue o seu caminho particular de provação e mérito. Demora a aceitar, mas finalmente concorda com os pais.

Que bom que não sou como todo mundo. Que bom que posso ser educado mesmo quando alguém é rude. Que bom que posso ser simples mesmo no meio da ostentação. Que bom que posso ser sensível mesmo que eu sofra mais pela minha escolha. Que bom que posso ser honesto mesmo que ninguém veja o que estou fazendo. 

Que bom que posso dançar ou cantar mesmo não sendo bom o suficiente, mesmo sem voz afinada. Que bom que posso demonstrar o que sinto pelo pai e pela mãe, sem ter vergonha de beijá-los ou andar de mãos dadas com eles na rua. Que bom que tenho princípios que não mudam mesmo nas adversidades, sem que precise me inferiorizar pela cobiça.

Convenhamos, é um desperdício nascer diferente e procurar ser igual aos outros.

CARPINEJAR

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