terça-feira, 15 de agosto de 2023



15 DE AGOSTO DE 2023
NÍLSON SOUZA

O tempo e os relógios

Com aquele seu jeito irônico de escancarar a verdade das coisas, o nosso Mario Quintana deixou registrado que o tempo é uma invenção da morte. Não sei se a indesejada das gentes assume mais essa responsabilidade - e nem pretendo encontrá-la tão cedo para perguntar -, mas todos sabemos que a medição das horas é, inquestionavelmente, uma invenção humana. Para tanto, criamos instrumentos e aparelhos tão precisos quanto ilusórios, que vão da ampulheta ao Rolex.

Entre a areia de uma e os diamantes do outro, sempre houve e haverá um tempo certo para cada propósito debaixo do céu - como reza o Eclesiastes. Inclusive para os maus propósitos. É o que a pátria amada, idolatrada e subtraída vem constatando nos últimos dias, com a divulgação de negociatas inacreditáveis com relógios, joias e estatuetas que parecem ter saído da Caverna das Maravilhas de Aladim. Saíram, na verdade, da mina escura e funda da cobiça humana.

Se não existe almoço grátis, por que aqueles enigmáticos senhores do petróleo dão presentes valiosos para os visitantes ilustres, especialmente para governantes e detentores de cargos importantes? Certamente, não é apenas pelos belos olhos dos estrangeiros. Eis aí uma investigação que também deveria ser feita pelas autoridades policiais e apresentada ao público com a transparência esquemática dos powerpoints televisivos. 

O detalhamento poderia incluir também uma explicação psicológica para a preferência por relógios como presentes. Como é de conhecimento geral, esses dispositivos simbolizam a passagem do tempo, o ciclo da existência e também a urgência para a tomada de decisões, principalmente no mundo dos negócios. Carregam, ainda, o estigma da superstição: alguns povos consideram o relógio um presente de mau presságio por lembrar a transitoriedade da vida.

Mas, pelo que tem sido noticiado nos últimos dias, nem todos os agraciados com tais presentes param para filosofar. Para alguns, que se julgam mais iguais do que os outros, o que vale é aquele conhecido conceito de ganância: tempo é dinheiro. E relógios de luxo também. Desde que, obviamente, não sejam recomprados por valores superiores ao da venda.

A verdade é que o tempo, desde o início e até o final dos tempos, continua sendo o senhor da razão. Como bem diz o inspirado versículo bíblico que batizou a recente operação policial dos descaminhos de relógios e joias oficiais, nada há encoberto que não haja de ser descoberto. Amém.

NÍLSON SOUZA

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