Máquina do tempo
Você não precisa de uma máquina ou de um túnel do tempo para retornar a alguma fase da sua vida. Basta visitar os pais. É seu museu particular e exclusivo, com a exposição permanente do seu acervo biográfico.
Encontrará o quarto intacto que lá deixou há tanto tempo, com sua escrivaninha de estudo, sua TV, seus casacos de zíper da escola, seus pôsteres e quadros nas paredes, seu baú da memória, seus brinquedos, suas estantes desalinhadas de livros e cadernos. Não irá estranhar nada. Tudo estará no lugar em que você largou na época, quando foi morar sozinho ou casar. Passaram anos para você, mas parece que foi sempre ontem para os seus pais.
Eles conservam o seu quarto sem necessidade. Não transformaram o aposento em escritório ou em uma segunda salinha. Está sempre disponível para o seu comparecimento eventual. Uma vez adultos, deveríamos dormir na casa paterna e materna mensalmente para revermos a nossa história congelada. Para não nos esquecermos de que dependemos de cuidados e ainda somos filhos.
Que o pernoite seja a partir de iniciativa espontânea, pela saudade da família ou de si mesmo. O costume é apenas voltar quando houve um desentendimento ou briga no casamento, como trégua da raiva amorosa, como guarida para a relação se acalmar, como esconderijo para não ser localizado, como endereço provisório até encontrar um novo local para morar.
Apareça por vontade própria, e não se arrependerá das 24 horas de estranha e ansiolítica paz. Ao ser repatriado por um momento ao seu antigo dormitório, enquanto estiver hasteando os fios das persianas com cuidado para não deixar frestas, haverá uma hipnose regressiva.
Você vai lembrar quem você é, de onde veio, a motivação de seus sonhos. É uma forma de endireitar o seu caminho, espantar as crises, recuperar os trilhos, não enfraquecer a sua essência, abafar os fantasmas do boicote, despistar a culpa.
Qualquer gesto trivial dará carona a uma lembrança. Só de acender o abajur infantil com a ilustração de Hogwarts School, evocará o quanto já quis beber a poção Felix Felicis (sorte líquida) de Harry Potter, mistura mágica que concretizava as aspirações de quem a ingeria e servia como arma secreta para combater os comensais da morte.
Em nenhum hotel de luxo, terá melhor repouso. No meio dos flashbacks, do cheiro doce dos travesseiros e da roupa de cama e dos sons conhecidos da vizinhança, abraçará o seu melhor sono.
Será capaz de perder o chamado do alarme, desmaiar como nunca antes, hibernar e despertar depois do meio-dia. Se estava com insônia ou algum distúrbio, vai finalmente relaxar, desvencilhar-se das preocupações, pois entrará novamente no útero da infância. Se saiu dali para conquistar a sua liberdade, agora, maduro, entende que não há maior liberdade do que o aconchego.
CARPINEJAR
Nenhum comentário:
Postar um comentário