09
de março de 2014 | N° 17727
O
CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA
NO DIA DA MULHER, O HOMEM
SUPERIOR
Assisti
a uma entrevista do autor da música “Lepo Lepo” afirmando que a intenção da sua
obra é “dizer não ao capitalismo”. Não havia reparado na natureza contestatória
da canção. Fui pesquisar e, de fato, na letra o protagonista conta não ter
carro nem casa, reclama que seu salário está atrasado e avisa que vai falar a
respeito da sua precária situação financeira com a amada. Por fim, deduz: se
ela ficar com ele, é porque gosta do seu “lepo lepo”.
É o
sonho de todo homem. Que as mulheres não fiquem com ele por causa de dinheiro
ou status, mas apenas e tão-somente devido à excelência de seu lepo lepo. O
lepo lepo dele é tão bom que elas não conseguem abandoná-lo, mesmo que esteja
falido, mesmo que seja um pangaré.
Mas,
infelizmente, não é assim que funciona. As mulheres, seguindo a lei da
preservação da espécie, procuram o mais forte. O Homem Superior de Nietzsche.
Aquele que vai lhes proporcionar a descendência com maiores condições de
sobreviver. E quem é o mais forte no Século 21? Que tipo de homem despertará
nela os formigamentos do instinto de reprodução? Depende do que a mulher sente.
Não do que pensa, não do que crê; do que ela sente. Talvez ela não saiba por
que, mas ela SENTE que as qualidades apresentadas pelo candidato em questão, no
caso, você, são as melhores para sua prole futura. Então, gol do Brasil. Você
será o escolhido.
Portanto,
de nada adianta ter um invejável lepo lepo, se você é mesmo um pangaré. Você
terá de ser superior, para aquela mulher. “Homens superiores, dominai as
virtudes enganosas!”, gritava o Zaratustra de Nietzsche. “Dominai as
considerações com os grãos de areia, o bulício das formigas, a ruim
complacência, a ‘felicidade dos outros’! A ter de vos renderdes, preferi
desesperar!”
E é
verdade! A vida é capitalista. O instinto das mulheres, que é o que move a roda
do mundo, é capitalista. Não acredite nessa balela feminista de igualdade.
Isonomia, sim; igualdade, jamais. Não somos iguais. Não acredite no sonho
dourado do Lepo Lepo. Você pode ser lepolepado, você pode ser uma vítima do
prazer; ela, não. Seja superior, portanto. Nietzsche e as mulheres anseiam pelo
Homem Superior.
Ela
não gosta mais dele
A
propósito das mulheres, recebo o e-mail de um amante desafortunado, um triste
homem que escreveu uma linha, nada mais, uma única linha, e tão desesperada:
“Será
que ela realmente não gosta mais de mim?”
Fiquei
compadecido com a dúvida do leitor. Creio que se trata de uma pergunta
retórica. Como poderei saber se ela realmente não gosta mais dele, se não o
conheço, nem a ela? Suponho que fez a pergunta numa gana de desabafo, ou talvez
esperando um consolo vago, querendo que eu dissesse: “Calma, ela gosta ainda”.
Mas, desculpe leitor, não posso fazer isso. Reparo, pela maneira como você
formulou a pergunta, que ela já disse ou demonstrou que não gosta mais de você.
Não fosse assim, você não engastaria na frase aquele perturbador advérbio de
modo: “realmente”.
Então,
ela agora deve estar com outro, ou não deve mais pensar em você, tanto que não
liga, não manda e-mail, nem mensagem pelo celular, não é mesmo? E, se for
assim, de nada adianta você lhe mandar as flores mais deslumbrantes nem lhe
dizer as mais deslumbrantes palavras. Ela não se deslumbrará. Não adiantaria
sequer se você fosse um Neruda e declarasse para ela um poema apaixonado:
“Saberás
que não te amo e que te amo
posto
que de dois modos é a vida,
a
palavra é uma asa do silêncio,
o
fogo tem uma metade de frio.
Eu
te amo para começar a amar-te,
para
recomeçar o infinito
e
para não deixar de amar-te nunca:
por
isso não te amo ainda.
Te
amo e não te amo como se tivesse
em
minhas mãos as chaves da fortuna
e um
incerto destino desafortunado.
Meu
amor tem duas vidas para amar-te.
Por
isso te amo quando não te amo
e
por isso te amo quando te amo”.
Não,
nada disso adiantaria, nada disso adianta, porque ela não gosta mais de você.
Ao seu verbo bem lapidado ela prefere a frase manca daquela formiga buliçosa
que comete erros de português no Facebook. Por quê? Vá saber. Mistérios do
instinto de preservação da espécie. Não, rapaz. Para ela, você não é mais o
Homem Superior.
Safo,
de Lesbos
Safo,
a grande poetisa da ilha de Lesbos, não era uma mulher bela. Os gregos diziam
que era pequena demais, morena demais (os gregos gostavam de loiras). Mas,
quando escrevia, Safo seduzia. E, como estamos falando de mulheres, dor e amor,
não há como não citá-la, ela que foi a maior escritora da antiga e boa Grécia.
Sólon,
o famoso legislador, ao ouvir um verso escrito por Safo, disse que precisava
desesperadamente que alguém o ensinasse a recitá-lo. Perguntaram por que tanta
ansiedade, e Sólon respondeu:
–
Quero aprender, e depois posso morrer.
Platão
a chamava de “a décima musa”, Plutarco dizia que suas palavras “vinham
misturadas com chamas” e, depois de sua morte, os habitantes de Mitilene
cunharam uma moeda com sua efígie. Alceu, o poeta mais popular daquele animado
sexto século antes de Cristo, apaixonou-se por ela. Enviou-lhe uma carta
fremente:
“Oh,
pura Safo, de violetas coroada e de suave sorriso, queria dizer-te algo, mas a
vergonha me impede”.
Safo
respondeu à altura:
“Se
teus desejos fossem decentes e nobres e tua língua incapaz de proferir
baixezas, não permitirias que a vergonha te nublasse os olhos, dirias
claramente o que desejas”.
De
qualquer forma, deu certo. Safo e Alceu encetaram um romance. Mais tarde, ela
se casou com um homem rico, que providencialmente não tardou a morrer,
deixando-lhe alentada herança. Rica, Safo abriu uma escola de poesia para moças
em Lesbos e, ao apaixonar-se por uma das alunas, tornou a ilha célebre por toda
a posteridade. Um trecho de um poema de Safo talvez fizesse o milagre que meu
leitor abandonado espera:
“Basta
que por um instante eu te veja
para
que, como por magia, minha voz emudeça.
Sim,
basta isso para que minha língua se paralise,
e eu
sinta sob a carne impalpável fogo
a
incendiar-me as entranhas.
Meus
olhos ficam cegos e um fragor de ondas soa-me aos ouvidos.
O
suor desce-me em rios pelo corpo, um tremor
se
apodera de todos os meus membros e, mais lívida
que
a outonal folhagem, estorcendo-me nas dores da agonia,
desfaleço,
perdida no êxtase do amor”.
Mande
isso para ela, triste leitor, e ela voltará.
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