sábado, 8 de março de 2014


09 de março de 2014 | N° 17727
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

NO DIA DA MULHER, O HOMEM SUPERIOR

Assisti a uma entrevista do autor da música “Lepo Lepo” afirmando que a intenção da sua obra é “dizer não ao capitalismo”. Não havia reparado na natureza contestatória da canção. Fui pesquisar e, de fato, na letra o protagonista conta não ter carro nem casa, reclama que seu salário está atrasado e avisa que vai falar a respeito da sua precária situação financeira com a amada. Por fim, deduz: se ela ficar com ele, é porque gosta do seu “lepo lepo”.

É o sonho de todo homem. Que as mulheres não fiquem com ele por causa de dinheiro ou status, mas apenas e tão-somente devido à excelência de seu lepo lepo. O lepo lepo dele é tão bom que elas não conseguem abandoná-lo, mesmo que esteja falido, mesmo que seja um pangaré.

Mas, infelizmente, não é assim que funciona. As mulheres, seguindo a lei da preservação da espécie, procuram o mais forte. O Homem Superior de Nietzsche. Aquele que vai lhes proporcionar a descendência com maiores condições de sobreviver. E quem é o mais forte no Século 21? Que tipo de homem despertará nela os formigamentos do instinto de reprodução? Depende do que a mulher sente. Não do que pensa, não do que crê; do que ela sente. Talvez ela não saiba por que, mas ela SENTE que as qualidades apresentadas pelo candidato em questão, no caso, você, são as melhores para sua prole futura. Então, gol do Brasil. Você será o escolhido.

Portanto, de nada adianta ter um invejável lepo lepo, se você é mesmo um pangaré. Você terá de ser superior, para aquela mulher. “Homens superiores, dominai as virtudes enganosas!”, gritava o Zaratustra de Nietzsche. “Dominai as considerações com os grãos de areia, o bulício das formigas, a ruim complacência, a ‘felicidade dos outros’! A ter de vos renderdes, preferi desesperar!”

E é verdade! A vida é capitalista. O instinto das mulheres, que é o que move a roda do mundo, é capitalista. Não acredite nessa balela feminista de igualdade. Isonomia, sim; igualdade, jamais. Não somos iguais. Não acredite no sonho dourado do Lepo Lepo. Você pode ser lepolepado, você pode ser uma vítima do prazer; ela, não. Seja superior, portanto. Nietzsche e as mulheres anseiam pelo Homem Superior.

Ela não gosta mais dele

A propósito das mulheres, recebo o e-mail de um amante desafortunado, um triste homem que escreveu uma linha, nada mais, uma única linha, e tão desesperada:

“Será que ela realmente não gosta mais de mim?”

Fiquei compadecido com a dúvida do leitor. Creio que se trata de uma pergunta retórica. Como poderei saber se ela realmente não gosta mais dele, se não o conheço, nem a ela? Suponho que fez a pergunta numa gana de desabafo, ou talvez esperando um consolo vago, querendo que eu dissesse: “Calma, ela gosta ainda”. Mas, desculpe leitor, não posso fazer isso. Reparo, pela maneira como você formulou a pergunta, que ela já disse ou demonstrou que não gosta mais de você. Não fosse assim, você não engastaria na frase aquele perturbador advérbio de modo: “realmente”.

Então, ela agora deve estar com outro, ou não deve mais pensar em você, tanto que não liga, não manda e-mail, nem mensagem pelo celular, não é mesmo? E, se for assim, de nada adianta você lhe mandar as flores mais deslumbrantes nem lhe dizer as mais deslumbrantes palavras. Ela não se deslumbrará. Não adiantaria sequer se você fosse um Neruda e declarasse para ela um poema apaixonado:

“Saberás que não te amo e que te amo

posto que de dois modos é a vida,

a palavra é uma asa do silêncio,

o fogo tem uma metade de frio.

Eu te amo para começar a amar-te,

para recomeçar o infinito

e para não deixar de amar-te nunca:

por isso não te amo ainda.

Te amo e não te amo como se tivesse

em minhas mãos as chaves da fortuna

e um incerto destino desafortunado.

Meu amor tem duas vidas para amar-te.

Por isso te amo quando não te amo

e por isso te amo quando te amo”.

Não, nada disso adiantaria, nada disso adianta, porque ela não gosta mais de você. Ao seu verbo bem lapidado ela prefere a frase manca daquela formiga buliçosa que comete erros de português no Facebook. Por quê? Vá saber. Mistérios do instinto de preservação da espécie. Não, rapaz. Para ela, você não é mais o Homem Superior.

Safo, de Lesbos

Safo, a grande poetisa da ilha de Lesbos, não era uma mulher bela. Os gregos diziam que era pequena demais, morena demais (os gregos gostavam de loiras). Mas, quando escrevia, Safo seduzia. E, como estamos falando de mulheres, dor e amor, não há como não citá-la, ela que foi a maior escritora da antiga e boa Grécia.

Sólon, o famoso legislador, ao ouvir um verso escrito por Safo, disse que precisava desesperadamente que alguém o ensinasse a recitá-lo. Perguntaram por que tanta ansiedade, e Sólon respondeu:

– Quero aprender, e depois posso morrer.

Platão a chamava de “a décima musa”, Plutarco dizia que suas palavras “vinham misturadas com chamas” e, depois de sua morte, os habitantes de Mitilene cunharam uma moeda com sua efígie. Alceu, o poeta mais popular daquele animado sexto século antes de Cristo, apaixonou-se por ela. Enviou-lhe uma carta fremente:

“Oh, pura Safo, de violetas coroada e de suave sorriso, queria dizer-te algo, mas a vergonha me impede”.

Safo respondeu à altura:

“Se teus desejos fossem decentes e nobres e tua língua incapaz de proferir baixezas, não permitirias que a vergonha te nublasse os olhos, dirias claramente o que desejas”.

De qualquer forma, deu certo. Safo e Alceu encetaram um romance. Mais tarde, ela se casou com um homem rico, que providencialmente não tardou a morrer, deixando-lhe alentada herança. Rica, Safo abriu uma escola de poesia para moças em Lesbos e, ao apaixonar-se por uma das alunas, tornou a ilha célebre por toda a posteridade. Um trecho de um poema de Safo talvez fizesse o milagre que meu leitor abandonado espera:

“Basta que por um instante eu te veja

para que, como por magia, minha voz emudeça.

Sim, basta isso para que minha língua se paralise,

e eu sinta sob a carne impalpável fogo

a incendiar-me as entranhas.

Meus olhos ficam cegos e um fragor de ondas soa-me aos ouvidos.

O suor desce-me em rios pelo corpo, um tremor

se apodera de todos os meus membros e, mais lívida

que a outonal folhagem, estorcendo-me nas dores da agonia,

desfaleço, perdida no êxtase do amor”.


Mande isso para ela, triste leitor, e ela voltará.

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