09
de março de 2014 | N° 17727
MARTHA MEDEIROS
Que fim levou Bo Derek?
Eu
estava em plena adolescência quando assisti no cinema ao filme Mulher Nota 10
com uma estreante chamada Bo Derek. A comédia contava a história de um cantor
que um dia viu uma loira espetacular vestida de noiva e ficou obcecado por ela.
O que aquela mulher tinha de nota 10? Que eu lembre, apenas um tremendo corpaço.
Mas foi o que bastou para eu e mais umas tantas meninas da minha idade
desejarem ser 10 também.
Mal
sabíamos que estava em curso uma revolução que iria nos exigir muito mais do
que um corpaço: iria nos exigir independência financeira, atitude, cultura,
talento, sucesso profissional, inteligência acima da média, um bom casamento,
filhos notáveis, um farto círculo de amigos, um apartamento bem decorado, uma ótima
mão para a cozinha, conhecimento sobre política, economia, artes plásticas,
jardinagem e comércio exterior, muita feminilidade, um guarda-roupa de matar de
inveja a editora da Vogue, um rosto lisinho, um cabelo lisinho, dotes sexuais
de humilhar o Kama Sutra e, para aguentar o tranco, o tal corpaço de parar o trânsito,
claro.
Nem
titubeamos. Parecia fácil. Daríamos conta. E demos, se abstrairmos o padrão
cinematográfico das exigências.
Até que
descobrimos que tínhamos tudo, menos a coisa mais importante do mundo: tempo. Deixamos
de ser donas dos nossos dias, viramos escravas da perfeição, passamos a buscar
a nota 10 em todos os quesitos, feito uma escola de samba, e ganhamos o quê? Um
stress gigantesco e uma tremenda frustração por não conseguir manter tudo no
topo: o casamento, a profissão, os seios. Nunca mais uma escapada de três dias
num sítio, nunca mais pegar uma matinê num dia da semana, nunca mais passar a
tarde conversando na casa de uma amiga, nunca mais deitar no sofá para ouvir
nossa música preferida. Tic-tac, tic-tac. Proibido relaxar.
Trégua,
por favor. Não estamos numa competição. Ninguém está contabilizando nossos
recordes. A intenção não é virar uma campeã, e sim desfrutar a delícia de ser
uma mulher divertida e desestressada. Por que isso precisa conflitar com a
independência? Proponho uma pequena subversão: agrade si mesmo e a mais ninguém.
E não brigue com o espelho, pois ter saúde é o único item de beleza indispensável,
e isso só se enxerga por dentro. Trabalhe no que lhe dá gosto, aprenda a dizer
não, invente sua própria maneira de ser quem é, e se for gorda, fumante,
esquisita e sozinha, qual o problema? Aliás, sendo você mesma, dificilmente
ficará sozinha.
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