terça-feira, 4 de fevereiro de 2014


04 de fevereiro de 2014 | N° 17694
FABRÍCIO CARPINEJAR

Marco Polo da literatura

Meu amigo Luiz Ruffato é o escritor brasileiro mais convidado a fazer palestras no Exterior. Um dos mais traduzidos. Ele é que conduziu a conferência de abertura da Feira de Frankfurt representando o Brasil.

Nos últimos dois anos, realizou mais de 40 viagens. Numa semana está no Japão; na seguinte, está na Índia. Não há grande capital do mundo que não tenha visitado.

Raramente encontro meu parceiro de piadas em casa. É uma loteria quando atende ao telefone. Sofro de saudade de suas largas risadas. Ele passa entrando e saindo de aeroportos, trocando o fuso de seu relógio.

Todos os amigos, sem exceção, acreditam que ele é um felizardo, que desfruta da possibilidade de conhecer culturas exóticas, de frequentar os melhores restaurantes e lugares, que escolheu uma profissão na qual pode exercer o turismo de graça. Já o confundiram com novo-rico e de rotina fácil.

Eu sei que não é real, apenas eu, talvez, entre seus confidentes.

Descobri devagar, como as verdades mais verdadeiras. Quando perguntava como tinha sido uma viagem, ele me respondia afirmativamente com a cabeça. E acabou. E não trazia fotos da Torre Eiffel, do Coliseu, do Monte Fuji, de absolutamente nada. Não carregava lembranças e enfeites para casa, como é comum. Não incrementava seu figurino – permanecia usando sua tradicional camiseta branca e calça de sarja escura.

Não mostrava coisa alguma, não despertava minha curiosidade. Seu laconismo, a princípio, me assustava. Parecia que ele era um mentiroso, que nem sequer embarcara em Guarulhos. Depois parecia que ele não queria menosprezar os demais narrando vantagens e expondo suas alegrias.

Até que ele confessou.

Ruffato viaja para economizar, diferente da grande parte da população que viaja para gastar. Guarda o pró-labore e a ajuda de custo em euros e dólares das palestras como uma poupança.

Durante a estada, finge que não precisa. Praticamente não abandona o hotel, come uma refeição por dia (a do café, que é de graça), cumpre os percursos a pé e de metrô, empreende um rigoroso regime de gastos. Pratica uma completa inexistência, poderia ser caracterizado como um mendigo de luxo.

Mas sua economia não é avareza. Não, longe disso, é o contrário.

Foi dessa forma que sustentou sua filha – criou Helena sozinho, após a morte da esposa, por erro médico.

Foi dessa forma que segurou a barra do apartamento, pagou universidade particular e opções de intercâmbio para sua menina.

Foi dessa forma que amparou seu filho mais velho que mora longe.

Foi dessa forma que mandou recursos para seus parentes em Cataguases, onde vivem a irmã e sobrinhos.

Para quem foi o primeiro a contar com curso superior em sua numerosa família pobre mineira, para quem já trabalhou como pipoqueiro, camelô e torneiro mecânico, para quem superou as expectativas sociais, não é novidade.

Para mim, continua sendo.

Ruffato sempre me impressiona. É meu ídolo, meu Marco Polo literário, meu Cristóvão Colombo da paternidade.

Com seu inglês rudimentar, com seu espanhol ginasial, enfrenta o estrangeiro para garantir a vida dos outros.


Sua renúncia é generosidade.

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