segunda-feira, 5 de março de 2012



05 de março de 2012 | N° 16999
KLEDIR RAMIL


Santa Inês

Nasci numa quarta-feira, 21 de janeiro do século passado, num fim de tarde quente, em pleno verão gaúcho, na cidade de Pelotas. Quis o destino que eu viesse ao mundo justo na data do calendário abençoada por Santa Inês, padroeira das virgens, das moças e da castidade. Além dos jardineiros.

Como nunca fui muito chegado à prática da jardinagem, me dediquei com entusiasmo ao exercício da castidade, até o momento em que, descobertas certas particularidades da natureza humana que chegam com os hormônios da juventude, não foi mais possível continuar com a abstinência completa dos prazeres da carne.

Foi então que decidi fazer um curso de jardinagem, para tentar equilibrar as energias que circulavam pelo meu corpo e dar alguma satisfação para minha santa madrinha. Habilitado a mexer na terra, comecei a plantar flores, trepadeiras e até mesmo uma pequena horta de produtos orgânicos. Entretanto, com o passar do tempo, as plantinhas foram murchando e secando, o que entendi como um sinal vindo do alto.

Passado o fracasso da minha investida botânica, não tive outra opção a não ser voltar a encarar de frente os desígnios que o destino havia traçado para mim: uma vida casta. Para alegria de minha madrinha.

Procurei algum significado alternativo na extensão da palavra castidade e encontrei o sentido de pureza. Viver com pureza não significaria abstenção, mas um comportamento equilibrado, sem mergulhar no atoleiro da promiscuidade e da perversão. Gostei. Essa visão encaixava com o meu perfil. E combinava com a educação que meus pais haviam me dado.

Desde então tenho buscado viver em estado de pureza, virtude daqueles que não têm maldade nem malícia, agem corretamente, não se deixam corromper e não abrem mão da integridade, decência e retidão de princípios. Para me proteger das agressões do mundo contemporâneo, criei meus mecanismos de defesa.

Outro dia, fizeram um depósito equivocado em minha conta corrente, com um valor bem significativo. O erro não seria identificado, se eu ficasse quieto. Cheguei a pensar em voltar à pratica da jardinagem, mas lembrei que não tenho mão pra isso. Tampouco tenho mão leve pra ficar com um dinheiro que não é meu. Não tive saída, devolvi o dinheiro.

Minha madrinha deve ter ficado orgulhosa.

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