terça-feira, 20 de março de 2012



20 de março de 2012 | N° 17014
DAVID COIMBRA


Espelho meu

Estávamos repoltreados nas franjas de areia do Atlântico, quando um gordo de sunga laranja passou bem pela nossa frente. Não era um gordo de corpo inteiro, gordo do pescoço à canela, não, a barriga dele é que era imensa e redonda. Como se tivesse engolido um liquinho. Então o meu amigo me cutucou e, enquanto mastigava com prazer seu pastel de camarão, fez uma pergunta típica de mulher:

– Será que a minha barriga está tão grande quanto a daquele gordo ali?

Olhei para a barriga do meu amigo, e dela para a barriga do gordo de sunga laranja. Pensei. O que é melhor? Uma verdade cruel ou uma mentira piedosa? Decidi pela segunda opção.

– De jeito nenhum. Você está magro...

Meu amigo abriu um sorriso satisfeito e tomou um ruidoso gole de caipirinha para comemorar. Fiquei refletindo sobre a pergunta dele, que, como disse, é comum entre as mulheres, uma pergunta sempre formulada com alguma aflição. “Estou como aquela lá? Tenho tanta celulite quanto ela? Ela é mais magra ou mais gorda do que eu?”

A pessoa quer saber como os outros a veem. Em resumo, ela não confia na sua própria opinião.

Outro amigo meu, que está com os cabelos completamente grisalhos, comentou, dia desses:

– Se eu ficar com os cabelos brancos, não vou pintá-los, como fazem uns e outros. É ridículo.

No começo, achei que estivesse brincando. Mas, não. Ele realmente acredita que tem poucos cabelos brancos.

Entendo isso. Acontece comigo. Tem um espelho aqui em casa que, quando me vejo nele, me acho um galã. Olho para a minha imagem, mando-lhe um sorriso e cumprimento-a:

– Olá, bonitão.

Mas, quando me vejo na TV ou em fotos, a coisa é outra. Aqueles grisalhos nas têmporas, aquele ar cansado. Onde é que está o cara do espelho? Então, tenho de reconhecer que o verdadeiro eu sou o das fotos e da TV, não o do espelho lá de casa. O das fotos e da TV é aquele que as pessoas enxergam. Maldição. O ideal era eu sair com o meu espelho por aí.

O fato é que as pessoas sempre têm uma opinião muito favorável sobre elas mesmas. Todas as pessoas se acham injustiçadas, todas as pessoas acham que têm boas intenções, ninguém se acha invejoso. As pessoas sempre imaginam que são os mocinhos, nunca os bandidos. Mas como é que os outros as veem?

Você só saberá qual é a sua verdadeira imagem se tomar uma distância razoável de si mesmo. Olhar para você mesmo no espelho de casa é como jogar o Campeonato Gaúcho. É ilusão. Você só saberá quem é quando disputar o Brasileiro, que é a sua imagem na foto ou na TV. Aí, sim, aparecem os cabelos brancos, o rosto macerado, os olhos baços de quem muito viu, mas que ainda tem muito por ver. Distanciamento crítico. Perspectiva histórica. Só assim para sabermos quem realmente somos nós.

O craque impresso

Uma das melhores pessoas que conheci ao trabalhar com o futebol foi o Tostão. Porque ele é uma pessoa que gosta de futebol, sim, mas que se mantém acima das questões comezinhas do jogo. Conviver com o Tostão numa dessas tantas coberturas de Seleção é um prazer, porque de repente ele faz uma reflexão aparentemente simples, aparentemente óbvia, mas que nunca lhe ocorreu. Ele mostra o que estava ali, mas que você não via.

O Tostão aprecia o jogo jogado, se deleita com um esquema bem tramado, com um lance de um craque, com um golpe da sorte, e não dá a menor importância para o que empobrece o futebol, que é a paixão tola, ou o interesse pela fama, pelo dinheiro ou pelo brilho fátuo.

Agora ele está lançando um livro com a coletânea de suas crônicas na imprensa, “A Perfeição não Existe”. Talvez não exista, mas Tostão se aproximava dela em campo e se aproxima dela como analista de futebol. Por suas ideias claras e sua exposição ainda mais clara delas. Por sua honestidade. Por sua ousada sisudez

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