segunda-feira, 19 de março de 2012



19 de março de 2012 | N° 17013
ARTIGOS - Paulo Brossard*


Entre tapas e beijos

Em agosto do ano passado, à vista das inquietações que pipocavam pelo mundo afora e do temor de nova crise ou do recrudescimento da anterior, que teria sido mal curada, circulavam dia a dia, as medidas que vinham sendo tomadas na América do Norte e nos países do Mercado Comum.

Os resultados do primeiro ano do governo da honrada senhora presidente, não fossem propriamente brilhantes, como o relativo ao crescimento do PIB, projetado para uma expressão gorda, e mermado a mofinos 2,7%, não obstaram declarações suas no sentido de colocar o Brasil fora e acima da crise que se espraiava: “Dilma diz que Brasil está preparado para enfrentar a crise”. “É a segunda vez que a crise afeta o mundo e pela segunda vez o Brasil não treme, diz Dilma”.

Em assertiva dogmática, afirmou que a solidez do Brasil estava no seu mercado interno, diferente dos modelos dos demais países.

E mais não disse. Como círculo vicioso é uma joia. Contudo, a 1º do corrente mês de março, a honrada senhora presidente, de repente e sem preâmbulos, bradou um autêntico “aqui del-rey” contra o que denominou “tsunami monetário”. Também neste passo usou de vasta publicidade. E, como em breve realizar-se-ia a feira de Hannover, a senhora presidente não hesitou em apregoar que lá renovaria sua acusação.

Ou muito me engano ou a jactanciosa declaração poderia ter efeito simpático aqui pela bravura presidencial, mas pouca coisa na Europa, que luta para salvar o grande projeto de unidade econômica, sonhado e nunca realizado desde Carlos Magno, particularmente na Alemanha.

Assim, antes de abrir-se a Feira todo o mundo sabia o que nela o Brasil iria dizer, não por um porta-voz da administração, mas pela própria chefe do Estado e do governo. Foi amistoso o encontro com a chanceler alemã e, como seria de esperar, as duas ilustres damas trocaram beijos, mas a colisão tinha hora marcada para ocorrer.

Ao meio-dia do dia 5, a senhora presidente repetiu o que anunciara urbi et orbi, e que iria de todos os modos defender o real, aliás, uma obviedade, pois este o seu dever precípuo. Oito horas depois, a chanceler Merkel referiu-se ao que chamou de “protecionismo unilateral”. E nisto ficou o acontecimento que marcaria época no século. Duas declarações de duas autoridades, uma brasileira, outra germânica, uma contrariando a outra.

A propósito, entre nós, pessoas competentes têm sustentado que ambas as posições são parcialmente defensáveis, a que vê no Exterior a fonte das inquietações brasileiras em meio às imensas transformações em curso, e as de natureza interna em razão da política traçada, levando à míngua os recursos para investimentos e mantendo aberta e bem aberta a bolsa das despesas. O certo é que hoje ninguém pode ignorar a gravidade do fenômeno, e dele é sinal a soma de medidas agora anunciadas para socorrer a indústria nacional seriamente ameaçada.

O problema é de inegável importância e, como qualquer política, pode redundar em benefícios ou malefícios ao país. Não posso ocultar que essa empreitada foi delineada entre as quatro paredes do Planalto, pois, até onde sei, temas de tamanho relevo não foram sequer abordados com os 30 ministros que assessoram a senhora presidente. É uma das maravilhas do sistema presidencial.

Se o leitor ainda não viu a edição de Pátria Gaúcha, sob a coordenação editorial de Marília Ryff Moreira Vianna, curadoria de Rogério Reis, fotografias de 16 artistas e textos de Tabajara Ruas, não deixe de ver. Vale a pena. Na sua variedade, o Rio Grande aparece inteiro.

*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF

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