sexta-feira, 16 de março de 2012



16 de março de 2012 | N° 17010
PAULO SANT’ANA


Meu caro amigo

Como ontem resolvi soltar a franga, elegendo Chico Buarque de Holanda como o maior poeta brasileiro de todos os tempos, acima de Manuel Bandeira e Casemiro de Abreu, vou contar hoje como foi o encontro desse gênio comigo, em 1998, no Estádio Saint Denis, Paris, onde se decidia a Copa do Mundo.

Chico Buarque estava na Copa como comentarista de uma emissora. Faltavam três horas para iniciar-se o jogo França x Brasil, quando me dirigi à copa do estádio reservada para os homens de imprensa.

E quem eu vejo encostado no balcão do bar? Chico Buarque de Holanda, sozinho, tomando uma cerveja num copo plástico.

Bati no seu ombro e não disse nada, olhando para seus “olhos claros cor do dia”, comecei a cantar para ele: “Se acaso me quiseres/ sou dessas mulheres que só dizem sim/ por uma coisa à toa/ uma noitada boa/ um cinema, um botequim”.

Emendei uma outra música dele, fui cantando diversas, cerca de umas oito. E o gênio me escutando, minha pretensão era de que estava achando delicioso.

Quando terminei de cantar suas oito músicas, ele me encarou mais forte e se dirigiu a mim:

– Quem é você?

Eu respondi: “Na minha terra, eu sou mais conhecido do que você: Porto Alegre. É o único lugar em que eu sou mais conhecido do que você no Brasil.

E contei a Chico quem eu era. E disse-lhe que tinha um sonho: o de jogar uma pelada com ele quando fosse a Porto Alegre.

Ele me disse que teria o maior prazer de participar de uma pelada comigo.

E nos despedimos. Saí com o dia cheio, mesmo que horas depois de meu encontro com Chico, ali mesmo naquele estádio, o Brasil tenha perdido para a França por 3 a 0, dois gols de autoria de Zidane, de cabeça.

Eu agora vou mostrar uma estrofe de Chico Buarque que considero sensacional e que consta da música Meu Caro Amigo, uma das oito que cantei para ele em meu memorável encontro com o grande poeta e músico. É uma coisa de louco o que ele escreveu nessa música, da qual extraí de propósito um trecho em que Chico se considera fumante. Por sinal, não sei como é que de vez em quando a gente topa com pessoas que são gênios e não são fumantes, considero-os incompatíveis. Eis o trecho que escolhi.

Aqui na terra tão jogando futebol

Tem muito samba, muito choro e rock’n’roll

Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

É pirueta pra cavar o ganha-pão

Que a gente vai cavando só de birra, só de sarro

E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro

Ninguém segura esse rojão.

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