terça-feira, 20 de março de 2012


Carlos Heitor Cony

Os pombos do dr. Guaraná

RIO DE JANEIRO - Deus todo-poderoso é testemunha de que nada tenho contra as baleias, a mata atlântica, a sustentabilidade e a transparência de nossas instituições, os ciclistas, a troca de ministros no governo e o excesso de peso de Ronaldo Fenômeno.

Se nada tenho contra, tampouco tenho muito a favor. São coisas do mundo -e, quando me tornei cristão, no ato do batismo, meu padrinho renunciou por mim ao Diabo, ao mundo e à carne, embora eu não tenha lhe dado procuração para isso.

As coisas do mundo foram acrescentadas pelas conquistas virtuais, por blogs e portais que estão poluindo cada vez mais a comunicação humana, mandando-me notícias e comentários que não me interessam. E por falar em comunicação, lembro os pombos do dr. Guaraná.

Era o dentista do seminário em que estudei, morava num apartamento onde cuidava de nossos dentes e criava pombos-correios num terreno anexo. Ele jogava partidas de xadrez à distância com um amigo que também era columbófilo -se esta é a palavra adequada para quem cria pombos.

As partidas duravam dias, os pombos tinham uma argola e nela os dois jogadores transmitiam seus lances usando o código internacional do xadrez: peão do rei, torre da dama, cavalo do bispo, mais a indicação do movimento pretendido no tabuleiro.

Uma vez, para tirar um dente do siso, fiquei de boca aberta um tempão. Dr. Guaraná recebera de um dos pombos um xeque que não era mate, e isso o obrigou a pensar mais de meia hora. Não havia Facebook, Twitter, nenhum recurso tecnológico. Afinal, para avisar a Noé que o dilúvio havia acabado, foi usada uma pomba, ancestral bíblica dos pombos do dr. Guaraná.

Donde se pode concluir que, em matéria de comunicação, muito progredimos, mas a oferta continua maior do que a procura.

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