segunda-feira, 12 de março de 2012



12 de março de 2012 | N° 17006
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Elas estão lá

Basta olharmos para cima: elas estão lá. As paineiras exibem as flores que saúdam o outono no Hemisfério Sul. Respiramos aliviados. Sabemos que ainda está quente, que o vento ainda é pouco, há um sol que arde. Esses tristes elementos, entretanto, fizeram o gênio de Matsuo Bashô escrever um de seus mais celebrados hai-kais:

Apesar do sol

Ardendo sem compaixão,

O vento de outono.

Bashô entendeu bem o que nós, do Sul, sentimos em março. O advérbio do primeiro verso diz tudo, em sua essencialidade: esse “apesar” significa que devemos suportar o sol que não tem compaixão – o prêmio está ali à frente. É o outono. Se os agricultores do Rio Grande do Sul têm todas as razões para se queixarem do tempo seco, e com eles nos solidarizamos, é um alento saberem que isso vai passar, e que virão as “águas de março fechando o verão”; virá enfim esse outono, impulsionando as lavouras.

Para os citadinos, é a certeza de que logo sentiremos aquilo que Juan Dahlmann, o personagem do conto O Sul, de Jorge Luis Borges pensa, ao sair do hospital em que estivera internado com febre e quase à morte: “O primeiro frescor do outono, depois da tirania do verão, era como um símbolo natural de seu destino resgatado da morte e da febre”.

Essa dedicação ao vento outonal inspirou outro poeta japonês, este de nosso século, e não menos importante, Iida Dakotsu:

ao vento de outono

a sineta de ferro

subitamente toca.

Talvez o poema, em seu idioma original, não contenha o tosco advérbio que enfeia a tradução – mas é certo que entendemos bem do que se trata: esta e as citações acima referem-se a algo que acontece, um momento, uma pausa, um esperar expectante: um vento que, sem mais esperar, colhe-nos na rua e é responsável por uma sensação de melancolia, paz e refrigério.

O atual e alarmante verão será um hóspede que não deixará saudades. Foi bom, enquanto esteve entre nós; mas já é hora de partir.

Queremos recuperar a cidade em paz e os campos alongados em suas sombras.

E então esperemos: num momento mágico, assistiremos o vento de outono movimentando de leve as flores das paineiras.

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