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quinta-feira, 15 de março de 2012
15 de março de 2012 | N° 17009
PAULO SANT’ANA
Dois livros por ano
A diferença básica que existe entre mim e o David Coimbra é que ele lê dois livros por semana, enquanto eu leio dois livros por ano.
É uma diferença trágica para mim e gloriosa para o David.
Ainda assim, ontem estavam no bar conversando o David Coimbra e o bibliógrafo George Augusto Barbosa, este último oferecendo para o primeiro uma coleção de cinco pesados volumes sobre a história dos jesuítas.
Eu interrompi a conversa dos dois e fiz um discurso extenso sobre as expedições jesuíticas à China, quando lá o jesuíta Francisco Xavier fundou o primeiro enclave da Companhia de Jesus na terra de Confúcio.
Como eu pude fazer esse discurso, não sei. Eu tenho uma capacidade extraordinária para guardar na memória fragmentos pelos quais me interesso e pego gosto.
Os dois são testemunhas do depoimento que dei sobre as incursões dos jesuítas na Ásia.
Mas eu próprio não entendo como me tornei o jornalista mais conhecido do Rio Grande do Sul lendo apenas dois livros por ano e indo ao cinema apenas uma vez por ano, em média.
Ler livros não é a maior exigência que teria de ser feita a mim. Mas ir ao cinema, bem, nesse caso me confesso um errático e relapso jornalista, teria de ir ao cinema pelo menos uma vez por semana.
O cinema é o caminho mais apropriado e atraente tanto para adquirir cultura quanto para entender a alma humana.
O George Barbosa, interlocutor do David Coimbra, ficou estupefato quando comecei a recitar o poeta Guerra Junqueiro, o maior bombardeador da Igreja Católica em todos os tempos:
Oh, jesuítas, vós sois de um faro tão astuto
Tendes tal corrupção e tal velhacaria
Que é de admirar que o filho de Maria
Não seja tão velhaco, não seja tão corrupto
Andando há tanto tempo em tão má Companhia (Companhia de Jesus, a ordem dos jesuítas).
Interessante é que não leio livros, mas tirei deles os versos que decorei durante toda a minha vida. Deste Guerra Junqueiro, português, tenho centenas de versos decorados, versos sobre a sua inclinação socialista.
Para decorar versos de poetas ou letras de músicas, eu sou realmente um monstro, tanto que sei de cor todo o livro, por inteiro, o único livro de Augusto dos Anjos, Eu e Outras Poesias.
E é com essa autoridade que possuo que declaro hoje solenemente em minha coluna o que sempre hesitei declarar, por ciúme dele: o maior poeta brasileiro de todos os tempos não é Olavo Bilac nem Augusto dos Anjos. Declaro solenemente que o maior poeta brasileiro de todos os tempos é Chico Buarque de Holanda.
Ou não é o maior de todos quem escreveu o seguinte verso, eterno verso, que chega a ser quase ininteligível de tão belo, como a tela Gioconda de Leonardo da Vinci: “Eu te perdoo por te trair”.
Leiam 40 vezes este verso e o decifrem para sempre em sua memória.
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