segunda-feira, 26 de março de 2012



26 de março de 2012 | N° 17020
L. F. VERISSIMO


Apessoados

Nossa língua tem mistérios nunca devidamente estudados – ou então já fartamente esclarecidos sem que nós, os comuns, ficássemos sabendo. Por exemplo: nunca entendi o que quer dizer “bem-apessoado”. Se existe “bem-apessoado”, deve existir “mal-apessoado” – significando exatamente o quê? Eu sei, eu sei, diz-se que alguém é “bem-apessoado” quando tem uma boa aparência.

O “bem-apessoado” é agradável aos olhos, sua companhia é sempre bem-vinda e seu visual melhora qualquer ambiente. Já o “mal-apessoado” deve ser alguém que não se completou como pessoa, que falhou na sua representação humana. Pode até ter um belo interior, mas não o exterioriza.

Desconfio que a expressão “bem-apessoado” surgiu como eufemismo. Quando não se podia dizer que alguém era bonito, dizia-se que era bem-apessoado. Como chamar uma mulher de vistosa quando não se pode chamá-la de linda. “Vistosa” é um adjetivo suficientemente vago – descreve montanhas tanto quanto mulheres – para não melindrar ninguém. Curiosamente, não se usa, que eu saiba, “bem-apessoada”. O termo só se aplica a homens. O que leva a outra conclusão: “bem-apessoado” seria uma maneira de um homem falar da beleza de outro homem sem, epa, mal-entendidos.

– Bem, você não acha o George Clooney maravilhoso?

– Bem-apessoado, bem-apessoado.

Outrossim, outro termo intrigante que raramente tive a oportunidade de usar é “outrossim”. Descobri que a palavra quer dizer exatamente o que parece, outro “sim”, ou um “sim” adicional, mas que nunca é usada neste sentido. “Outrossim” é como ponto e vírgula: poucos sabem como e onde empregá-lo corretamente.

Nas poucas vezes em que usei “outrossim” – e ponto e vírgula também – foi com uma certa trepidação, como quem invade a propriedade de alguém sem saber se vai ser corrido pelos cachorros, no caso os guardiões do vernáculo. Há quem sugira que só se possa usar o ponto e vírgula com autorização expressa da Academia Brasileira de Letras.

Outra palavra estranha é “amiúde”. Ninguém mais a usa, pelo menos não amiúde. Mas ela pode voltar, graças à música Geni que o Chico Buarque resgatou do seu musical Ópera do Malandro e é um dos pontos altos do seu show atual. A Geni vai com todo o mundo...

“E também vai amiúde

com os velhinhos sem saúde.”

Bendita Geni.

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