segunda-feira, 19 de março de 2012



19 de março de 2012 | N° 17013
PAULO SANT’ANA


A cega do elevador

Estes dias eu entrei no elevador e dentro estava uma moça linda que foi logo me avisando: “Saiba que sou cega”.

Se ela não me avisasse, não teria percebido. Só fui entender quando ela saiu do elevador guiada por sua companhia.

Outro dia, também no elevador, encontrei novamente a moça cega, elegante, alegre, os olhos claros, não fossem seus movimentos e ninguém calcularia que ela é cega.

Ela se dirigiu para o salão de festas e se misturou entre os outros convidados, mergulhando na algazarra do ambiente.

Fiquei pensando comigo: “O que leva uma pessoa cega a comparecer numa festa?”.

Certamente ela foi à festa para livrar-se da pior solidão humana que é a cegueira. Foi juntar-se aos outros para aproveitar-se dos sons que todos emitiam, foi tentar alegrar-se, foi aproveitar as migalhas de convivência que a vida lhe destinou.

Eu acho impressionante a coragem de viver que têm os cegos. São admiráveis, só saber-se que se sucedem os dias e eles não percebem a sucessividade dos sóis, não aproveitam os luares, não sabem quais são as feições das outras pessoas que os cercam, só em saber que eles não distinguem os dias das noites, só isso nos inspira a um profundo respeito pelos cegos.

A cegueira nos transmite a impressão de que não há mal maior que possa se acometer sobre uma pessoa.

No entanto, a moça cega do elevador é alegre, animada, confiante, ela transmite a surpreendente impressão de que tem uma vida útil, que é uma pessoa que sonha e até mesmo de que é igual aos outros.

Eu imagino que os cegos constroem o seu mundo particular e depois de algum tempo levam uma vida normal, esse é o consolo que construo para atenuar a profunda compaixão que sinto pelos cegos.

Obviamente, como sempre fazemos, comecei a me comparar com aquela simpática moça cega do elevador.

Ela é cega e eu tenho tontura incapacitante e permanente, há vários meses. Se de uma parte a minha tontura me tira a graça de viver, por outro lado a vida ainda me oferece o privilégio de enxergá-la ao meu redor, de ver a paisagem do rio e das pessoas lutando pela vida no cotidiano da cidade.

Ela não, não tem tontura, mas foi-lhe negado o direito de ligar-se ao mundo pela visão. Ainda assim, ela reage estupendamente e mostra-se alegre e animada, pronta para continuar vivendo, parece estar movida pela esperança de dias melhores.

Não sei como pode ter esperança, se nunca será curada da cegueira. Mas tem. Ela parece ser muito mais otimista do que eu, embora a possibilidade de eu vir a me curar da tontura seja enormemente maior do que a dela um dia vir a enxergar.

As pessoas normais muitas vezes se sentem infelizes. E tanta gente há que é cega, muda, surda, paraplégica que, no entanto, consegue erguer a sua felicidade.

A cega do elevador confundiu-me nos meus pensamentos. Mas não me sai da memória que ela foi para o salão de festas revestida de uma corajosa vontade de viver.

E será que eu que não sou cego tenho ainda alguma vontade de viver?

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