sexta-feira, 23 de março de 2012



23 de março de 2012 | N° 17017
PAULO SANT’ANA


Desculpem-me os cegos

A gente vai vivendo e vai aprendendo. Esta semana, aprendi definitivamente uma lição. Ninguém que, como eu, se atreva a escrever que tem compaixão dos cegos escapará da fúria de muitos cegos.

Eu recebi três e-mails de cegos me desancando o pau. E fui ler a coluna que escrevi. Ela dizia, em suma, que eu tenho compaixão pelos cegos.

Olhei, reli, li pela terceira vez a coluna e não entendia a crítica dos três cegos.

Até que um colega aqui de Zero Hora veio me acudir e explicou que, certa vez, escreveu que tinha compaixão pelos cegos. E que em seguida recebeu vários protestos de cegos, dizendo-se pessoas úteis e até normais, que não cabia sentir pena deles.

Aí é que fui entender a profundidade do meu erro.

Agora já sei: nunca mais vou dizer que tenho compaixão pelos cegos. Daqui por diante, meus amigos cegos, chamo-lhes assim porque me dou o direito pelo menos de querê-los bem e respeitá-los, não errarei mais.

E vou adiante: têm razão as pessoas que protestaram pelo que escrevi. Elas entenderam – e tinham razão em entender assim – que eu estava chamando os cegos de coitados, de tristes, de desfavorecidos.

Longe de mim esse pensamento. Mas errei porque dei margem para que entendessem por esse ângulo.

Desculpem-me todos os cegos ou pelo menos os que pensam igual aos três cegos que me desancaram uma sumanta de pau só porque eu disse que tinha compaixão pelos cegos.

Nunca mais repetirei esse erro. E me desculpe, principalmente, a cega que encontrei no elevador e foi desde já me avisando que era cega.

Eu pensara que tinha sido simpático com aquela cega ao dizer que ela entrara no salão de festas cheia de alegria, juntara-se a todos os convivas cheia de esperança e com a forte intenção de ficar alegre na festa.

Até mesmo me perguntei no final da coluna o seguinte: será que aquela cega não tinha mais vontade de viver do que eu? Foi a forma de precisar que a cega aquela do elevador era mais feliz do que eu.

Mas, que nada, ninguém entendeu a minha intenção e me malharam a valer.

Se a moça cega entendeu que a ofendi ou a agravei, peço-lhe centenas de desculpas, milhares de perdões.

Mas é vivendo e aprendendo. Nunca mais escreverei que tenho compaixão pelos cegos.

Vou educar meu raciocínio para pensar que os cegos não precisam de compaixão de ninguém, pelo contrário, quem merece compaixão é quem não é cego. Nunca mais vou considerar os cegos como deficientes visuais, o meu colega que recebeu protestos dos cegos me disse que os cegos também não gostam de ser chamados de deficientes visuais.

E, para ilustrar isso, vou contar a história que me mandou ontem uma leitora.

Ela e outra senhora, acompanhadas de uma cega, pegaram um táxi para assistir a um recital em Porto Alegre.

Na direção do teatro, que ficava na Rua Ramiro Barcelos, se dirigia o táxi, quando a cega disse o seguinte ao taxista: “Mas o senhor já passou da Ramiro Barcelos”.

E tinha passado mesmo, teve de voltar várias quadras.

Nem as duas senhoras nem o taxista perceberam o erro. Mas a cega percebeu.

Os cegos, aprendi a lição, são superiores a nós e, em muitos casos, enxergam melhor do que nós.

Aprendi.

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