quinta-feira, 29 de março de 2012



29 de março de 2012 | N° 17023
PAULO SANT’ANA

Millôr Fernandes

Morreu Millôr Fernandes, o maior de todos nós, jornalistas brasileiros.

Ensinou-nos que “imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”.

Ou seja, afirmava que o jornalismo tem o dever de ser oposição a qualquer governo.

Ele foi admirável nesse posicionamento porque foi o único que não aderiu nunca a qualquer governo, mesmo que simpatizasse com algum eventual governo e suas ideias.

Deixa por isso um vazio impreenchível, desde que há sempre alguém que vá aderir ao governo de sua preferência ideológica.

Dono de uma erudição invejável, não precisou trabalhar na Globo para se tornar muito popular. Seus fãs, como meu filho Jorge Antônio, tinham devoção por ele, cultuavam-no como a um deus.

Ninguém como ele falou mais sério exercendo o humor. Obrigava seus leitores a pensar.

Dizem que ele foi o mais eficiente tradutor de Shakespeare entre nós, o que por si já o define de certo modo, o bardo inglês foi mais abrangente que Freud ao vasculhar a alma humana.

Tenho algumas máximas de Millôr Fernandes decoradas: “O melhor do sexo antes do casamento é você não ter que casar”. “Chama-se de herói o cara que não teve tempo de fugir”. “Um rato não pode ser juiz na partilha de um queijo”. “Acabar com a corrupção é o objetivo supremo de quem ainda não chegou ao poder”.

São milhares as suas frases luminosas. Era dono de uma verve ilimitada, bastava descobrir no cotidiano ou na filosofia um fato ou uma evidência para adorná-lo com suas inteligentes e contraditórias observações.

Foi cronista semanal admirável. E conseguiu ser ótimo cronista diário. Trabalhou em revistas, jornais, criou peças de teatro com invejável talento. Tenho uma coletânea de pensamentos seus de 600 páginas e nunca me fatiguei em relê-la, como a uma Bíblia.

Nessa ânsia maniática que temos de organizar um ranking sobre o mérito das pessoas, fico tentado a dizer que ele foi o maior jornalista e maior humorista da história brasileira.

Morreu há tempos Nelson Rodrigues, morreu há pouco Chico Anysio e agora morre Millôr Fernandes.

Eles foram os pais de criação de sua geração. Tornaram-se exemplos e paradigmas inimitáveis, Millôr jogou sobre as multidões de leitores um jorro de luz e de beleza ofuscante.

Não o conheci, mas sempre me pareceu que era meu íntimo. Minha meta era ser apenas 10% do que ele fora, tão grande ele era e é.

Não tenho palavras para definir a falta que ele me fará, se é que me fará falta, porque sempre trarei na mesa ao lado de minha cama fragmentos de sua obra faiscante.

Ainda bem que, em vida, muitas vezes aqui nesta coluna elogiei-o como agora o estou elogiando por sua morte.

Ele foi meu profeta do humor e da inteligência.

Ele foi o meu farol.

E não precisou ser da Globo para se tornar um ícone nacional.

Millôr, gigante pela própria natureza!

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