Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
sábado, 17 de março de 2012
18 de março de 2012 | N° 17012
VERISSIMO
A devolução
O padre diz que é inconcebível carregar o próprio cadáver durante toda a vida sabendo que terá que entregá-lo e esquecer
Você chega, ofegante, a um lugar cheio de gente. As pessoas são seus parentes e amigos, mas estão todas de cara feia. Você sorri para elas. Elas não sorriem para você. Estão impacientes. Algumas olham o relógio. Outras sacodem a cabeça, reprovando o seu atraso.
Você tenta se explicar. – Desculpem, eu...
Mas dizer o quê? Foi o trânsito? Você acordou tarde? – Eu, eu...
Ninguém quer ouvir sua explicação.
Alguém pega o seu braço, ao mesmo tempo em que faz um gesto pedindo para você não falar com ninguém. Não há tempo para isso. O importante é não atrasar mais a coisa.
Você é puxado para dentro de um recinto onde a aglomeração é maior. As pessoas abrem caminho para você passar. Você vê mais caras conhecidas, mas nenhuma amistosa. Todos estão cansados de esperar. Onde já se viu, chegar atrasado desse jeito?
Logo hoje?
A pessoa que puxa você pelo braço se vira, examina você e pergunta:
– Você vai assim mesmo?
Você se olha.
– Assim como?
– Sem gravata?
– Esqueci a gravata.
– Tome a minha.
– Obrigado. Depois eu...
Você se dá conta que, de onde vai, não poderá devolver a gravata.
Chegam ao caixão vazio, em volta do qual estão os seus parentes e amigos mais próximos. E o padre, que também olha o relógio acintosamente, antes de perguntar:
– O que foi, esqueceu? – Não, é que...
O padre também não quer ouvir desculpas. Diz que é inconcebível aquilo, alguém carregar seu próprio cadáver durante toda a vida, sabendo que terá que entregá-lo no fim, e simplesmente esquecer. Tão inconcebível quanto um entregador de pizza esquecer, no meio do caminho, o que está fazendo.
Ou pensar que a pizza é sua.
– O que foi? – pergunta o padre. – Pensou que pudesse ficar com o corpo?
– Não, eu... – Está bem, está bem. Coloque o seu corpo no caixão, rápido. Está em cima da hora.
Você deita no caixão, depois de botar a gravata. Pensa: os defuntos são bem vestidos pela mesma razão que a gente limpa qualquer coisa emprestada antes de devolver. Estranha ninguém ter pedido uma vistoria para saber o que você fez com o corpo, se está faltando alguma parte, se você foi um inquilino cuidadoso ou relaxou na manutenção. Pensa em perguntar se lhe darão algum tipo de recibo. Mas desiste porque já estão fechando a tampa.
Aí você acorda.
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