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terça-feira, 13 de março de 2012
13 de março de 2012 | N° 17007
DAVID COIMBRA
A Dama de Ferro
Há duas cenas especiais no filme “A Dama de Ferro”, que deu a Meryl Steep o Oscar de melhor atriz. Duas grandes cenas – uma pelo conteúdo, outra pela forma. Mas antes de abordá-las preciso dizer que li várias críticas negativas ao filme.
O que não foi ruim. Talvez por isso tenha saído do cinema com uma boa impressão do que assisti. Ou, pelo menos, não com má impressão. Não se trata de um filme ruim, de forma alguma, embora pudesse ser melhor. Talvez seja apressado no tratamento ao personagem público de Tatcher. Talvez. Mas a história conta lá com seus méritos da maneira como foi conduzida.
O fato é que Margaret Tatcher, a própria Dama de Ferro, não a personagem, ela sempre gerou controvérsias. O que, aliás, reconhecia. “Se meus adversários me virem andando sobre as águas do Tamisa, dirão que não sei nadar”, brincou a dita cuja num dia dos longínquos anos 80.
A Inglaterra é de fato uma nação paradoxal. É a nação da Câmara dos Lordes, dos sires, da família real mais tradicional do planeta, do chá das cinco, de tudo isso, sim, e também dos Beatles e Rolling Stones, e dos punks, e dos hooligans. É uma nação de fortes tradições masculinas, certo, mas de mulheres mais fortes ainda.
Imagine que sobre a Inglaterra reinou a Bloody Mary, que mereceu esse codinome não por ter inventado um drink com suco de tomate de gosto horrível, mas por ter mandado executar centenas de protestantes durante o seu governo, o que também é horrível.
A sucessora de Mary foi sua meia-irmã Elizabeth I, a chamada Rainha Virgem, virgem só no apodo, mas tão influente que foi homenageada com o nome de um estado norte-americano. E mais tarde, quando a monarquia já estava enfraquecida, a Rainha Victoria deu o nome a toda uma era da Civilização Ocidental.
Ainda assim, a ascensão de Tatcher foi um marco para as mulheres inglesas. E sua atuação ainda rende debate. Teria sido ela a salvadora da economia da Inglaterra moderna ou a opressora de pobres e trabalhadores?
A administração de Tatcher lembra a de Fernando Miranda no Inter, descontadas as evidentes diferenças entre comandar um país e um clube de futebol. Num período de empobrecimento e de quase falência financeira, é possível reagir sem austeridade, sem cortes e sem sacrifício?
Tatcher poderia ter reduzido a inflação e os gastos públicos da Grã-Bretanha sem aumentar o desemprego? Miranda poderia ter saneado o clube e, ao mesmo tempo, montar um time vencedor?
Não sei as respostas, mas sei que a evolução não é, nem nunca foi, indolor.
Feitos esses reparos, posso me referir às duas grandes cenas do filme. As seguintes:
1. Tatcher está envelhecida, sofre de Alzheimer e tem alucinações com o marido morto. Sua filha decide usar de franqueza pouco britânica, quase germânica, talvez escandinava, que os ingleses são meio escandinavos:
– Mamãe, a senhora não é mais primeira-ministra. E o papai está morto.
Streep então olha para a filha, e seu olhar vai-se untando de tristeza sem que haja qualquer alteração muscular na face da atriz. É o olhar que fala. Que grita. Uma alteração silenciosa e sutil na expressão da personagem, uma mudança mínima, mas intensa, aguda e até dolorosa. Vale o filme. Deve ter valido o Oscar.
2. Tatcher está diante do médico, que lhe pergunta:
– Como a senhora está se sentindo?
Ao que ela atalha:
– Hoje as pessoas estão sempre se preocupando com os sentimentos. “Como você está se sentindo?” “O que você sentiu quando aconteceu aquilo?” Sentimentos, sentimentos. As pessoas não se preocupam mais com os pensamentos. As pessoas não se importam mais com as ideias.
Perfeito. Freud era um gênio, mas a disseminação da cultura da psicanálise fez esse mal ao homem moderno. Transformou-o em um ser piegas, que dá valor demasiado ao que chama de “felicidade”, que está sempre sentindo e quase nunca pensando. O homem ocidental, ao descobrir o inconsciente, quase se esquece do consciente.
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