sábado, 24 de março de 2012



25 de março de 2012 | N° 17019
TEMA PARA DEBATE - Esther Pillar Grossi*


Sala de aula sem professor

Inimigos de Classe é o nome da forte peça de teatro com a qual Luciano Alabarse brinda Porto Alegre neste momento. Esteve em cartaz no Theatro São Pedro e voltará a ser apresentada a partir do próximo dia 30, durante quatro semanas, no Centro Municipal de Cultura.

Um, dentre muitos aspectos que Inimigos de Classe suscita em quem vivencia a realidade de algumas escolas públicas, são faltas frequentes de professores.

Assisti a Inimigos de Classe há dias e não consegui escrever imediatamente a respeito do que me ocorreu sentir e pensar durante o espetáculo impactante. Um pouco do que senti e pensei transcrevo a seguir, provocada pela elo- quência de uma boa obra de arte.

Todo santo dia mergulhada que estou na trama escolar de escolas públicas pelo Brasil afora, na Colômbia e em Cabo Verde, apalpei a atualidade estarrecedora de Inimigos de Classe, escrita em 1935, na Inglaterra.

A falta de professores nas salas de aula é uma realidade tão corriqueira em escolas públicas, que faz com que a gente ouça e sinta a tragédia dos alunos de Inimigos de Classe, à espera de um professor que não vem, como pungentemente familiar.

Pasmem, em uma “boa” escola pública de Porto Alegre, cuja média dos salários dos seus 70 professores é R$ 5 mil, a cada dia, há anos, acontece em média ausência de oito deles. Estas ausências obrigam diariamente a uma adaptação do horário de cada turma e naturalmente um viés assassino nos planejamentos já preparados para tentar levar os alunos a se apropriarem das riquezas do patrimônio cultural e científico que nos legaram nossos antepassados, razão específica da existência das escolas.

Dentre as muitas experiências de alunos sem professora, uma me marcou quando reuni, depois de um curso de matemática, um grupo de professores desejosos de continuar estudando essa apaixonante disciplina científica.

Fizemos um planejamento em torno de um campo conceitual superinteressante, que é o sistema de numeração. Dispusemos material multibase para todos os participantes e, passadas seis semanas, nenhuma das 10 professoras, cada uma de uma escola diferente, executou o planejamento devido à falta de colegas professores.

Não havia possibilidade de executar seus planejamentos didáticos previstos para uma só turma em outra com o dobro de alunos. Juntar duas turmas é uma das alternativas para tapar o buraco de uma professora faltante.

E por que há professores que faltam tanto? Por um lado, por irresponsabilidade deles. Mas, fundamentalmente, o que desmotiva um professor é ensinar pouco e não curtir as imensas alegrias de quem faz aceder ao conhecimento uma turma de alunos.

Mas, por que ensinam pouco? Porque utilizam metodologia ineficaz, calcada em explicações que embrutecem. Embrutecem porque seguem a lógica dos conhecimentos a ensinar, e não a lógica na qual os alunos aprendem.

Para que isso mude, é necessário que a formação dos professores seja outra, mas principalmente que esta nova formação inclua a força prodigiosa do desejo de ensinar de professores com a qual, associada a muitos e sólidos conhecimentos científicos, vá realizar o que Freud caracteriza como atividades profissionais impossíveis:

curar, educar e governar. Impossível para Freud é aquilo que só é conseguido com as energias próprias do desejo, capazes de inventar diante dos impasses surpreendentes que os impossíveis contemplam.

*DOUTORA EM PSICOLOGIA COGNITIVA PELA UNIVERSIDADE DE PARIS

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