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sexta-feira, 16 de março de 2012
16 de março de 2012 | N° 17010
DAVID COIMBRA
Uma chance que se perde
Você vai se tornar um velho algum dia, se tiver sorte. Uma pessoa velha significa uma pessoa vitoriosa do ponto de vista biológico e até do ponto de vista filosófico. Afinal, tudo na vida nasce, cresce, amadurece, fenece e morre, se a sequência não for interrompida por um ser humano mal-intencionado e armado, ou um micro-organismo predador, ou por golpes da natureza indomável, ou por um pedaço de satélite desativado que despenque do céu.
O fato é que esse é o ciclo natural, é assim que as coisas funcionam. O mundo e as pessoas mudam, estão mudando a cada minuto, inexoravelmente.
Mas mudança não é necessariamente evolução. A passagem de um ciclo para outro não significa melhora.
Lembro de uma moça que conheci. Fomos amigos desde a infância, e na adolescência chegamos a manter certo intercurso. Era uma menina exuberante, linda, viçosa e cheia de espírito. Tinha resposta para tudo, pisava sobre a superfície da Terra com confiança, como se os outros seres humanos fossem seus súditos. E, de fato, era uma princesa pronta para se transformar em rainha. Que mulher ela será, eu pensava. Os homens rastejarão a seus pés!
A vida nos apartou, que a vida aparta as pessoas, e fui encontrá-la já adulta, no tempo que deveria ser o tempo da sua glória. E ali estava, bem na minha frente, uma mulher sem lustro, pequena de espírito, não exatamente vulgar, mas desprovida de qualquer sutileza, sem qualquer mistério. Não foi a decadência física que a afetou – se você examinasse uma foto dela, a acharia muito bonita; foi a decadência espiritual. A personalidade dela perdeu o vigor. Era como se tivesse sido congelada em 1977.
Também já aconteceu o contrário. Já conheci pessoas absolutamente sem graça na adolescência, que, adultas, se converteram em seres humanos interessantes, talentosos, líderes verdadeiros.
Quer dizer: juventude não é sinônimo de exuberância; maturidade não é sinônimo de desenvolvimento; velhice não é decrepitude, mas também não é, forçosamente, sabedoria; e a felicidade pode não estar incrustada na infância.
Assim é um país. Nas eleições, os candidatos sempre se dizem arautos da mudança. A ideia é que, se a situação mudar, irá melhorar. O Brasil vem mudando com rapidez. De Itamar Franco para cá, parece ter ingressado em um ciclo evolutivo irrefreável. Realmente, há mais dinheiro no Brasil. O país ficou rico, embora a maioria de seus habitantes continue pobre. As pessoas têm mais dinheiro para gastar, e estão gastando mais, comprando mais, fazendo com que se produza mais.
Mas o dinheiro você ganha e perde. A Europa, hoje empobrecida, era rica até anteontem. Há algo, porém, que nenhuma crise vai tirar da Europa: o espírito. A cultura e a educação que forjaram a civilização europeia, base da civilização ocidental, continuarão entranhados na alma de seus cidadãos, nas pedras das ruas de suas cidades, na sua forma como o cidadão encara a existência. Onde é melhor de se viver? Na pujança do Brasil, da Rússia, da Índia e da China ou em meio à crise europeia?
O Brasil que hoje se refocila no dinheiro está perdendo uma chance preciosa de evoluir. Não há projeto para o país, salvo o de crescimento material. Como a minha velha amiga, o Brasil corre o risco de só melhorar fisicamente e, mais tarde, quando deveria usufruir sua glória, não passar de algo que um dia quase foi, mas que nunca será.
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